Revista Vão Livre No.1

VÃO LIVRE ANO I – no.1 Julho 1979

[ÍNDICE]

EXPEDIENTE ______Pg.10
EDITORIAL/J .E. Ferolla ______Pg.11
INFORMATIVO IAB ______PG.12
OS POBRES NÃO SÃO MAIS AQUELES/ Marcos A.E.L.S. Coimbra ______PG.13,14
DEPOIS DAS CHUVAS…/ Diversos autores ______Pg.15a23
PLANO DE AUTO-CONSTRUÇÃO A BAIXO CUSTO/ José Carlos Laender ______Pg. 24,25
LENHA: A CRISE DE ENERGIA DO POBRE/ Maurício Andrés, Cláudio Martins ______Pg.26,27
ALTERNATIVA APROVEITAMENTO INTEGRAL DO ESPAÇO NATURAL/ M. Andrés ______Pg.28,29
ARQUITETURA EMERGENTE/ Rodrigo Andrade ______Pg.30
PANORAMA ______Pg.31a35
CONTRACAPA/ Equipe


[CAPA]

MONTAGEM
Álvaro Hardy, Éolo Maia, Francisco Moreira Andrade Filho, José Eduardo Ferolla, Paolo Laender e Sylvio Emrich de Podestá
FOTO
Gorduras: Herbert Teixeira
Retrato: fotógrafo anônimo


[EDITORIAL]

Os dicípulos de Gurdjieff acreditavam no máximo de esforço e privação mental, emocional e física como via de iluminação. Quem sabe por isso os pobres não são mais aqueles? Certo é que tem mais consciência de si mesmos que as outras classes, perdidas no devaneio de suas metáforas, iludidas e amaciadas pelo mel do conforto e do consumo. E como consomem! E como desperdiçam! Das sobras vive o grande herói brasileiro: o super-pobre. Com elas faz melhor para si que o governo consegue com verbas bem gordas. Gorduras? Talvez na panela do trabalhador houvesse mais benefício.

É essa a mensagem do pobre para os que sabem ler, e que andam tão assustados com a nova dominação moura, deixando-lhes antever a possibilidade da miséria. Melhor então que aprendam logo o que é viver à margem – uma alternativa para sobreviver mental, emocional e fisicamente lado a lado com o irmão fraticida, o Governo desgovernado e uma sociedade dissociada.

J.E.F.


INFORMATIVO IAB

Intercâmbio – A coordenação de pesquisa de Vão Livra está interessada em fazer contatos e manter intercâmbio com outros centros, associações, escolas, etc. que atuem na área de divulgação e pesquisa em arquitetura e urbanismo, no Brasil e no Exterior, para troca de informações e de publicações.

Aeroporto – Conhecendo a importância científico-cultural e histórica do conjunto kárstico situado ao norte da Região Metropolitana de Belo Horizonte – municípios de Lagoa Santa, Pedro Leopoldo e Matosinhos -, o Grupo de Estudos de Meio Ambiente, IAB-MG, vem realizando estudos e pesquisas relativas às conseqüências da implantação do futuro Aeroporto Metropolitano no local. A esse respeito, o IAB vem consultando profissionais especializados em áreas relacionadas ao assunto: geomorfologia, arqueologia, espeleologia, obtendo pareceres a respeito do impacto ambiental da instalação desse equipamento na região de Confins, Município de Lagoa Santa, próximo às formações calcárias que definem o conjunto. Do ponto de vista histórico, a importância da área deve-se ao fato de ter sido inicialmente explorada pela bandeira de Fernão Dias Paes, que ali morreu no final do século XVII abrindo o caminho para a descoberta do ouro no Rio das Velhas.

A importância científico-cultural do conjunto se relaciona à descoberta de vestígios da presença do homem e de uma fauna quaternária representados por esqueletos, cerâmicas e pinturas rupestres, encontrados nos abrigos e grutas da região.

O Grupo de Estudos do Meio Ambiente IAB-MG pretende realizar no dia 10 de agosto próximo, uma reunião com professores i pesquisadores do Instituto de Geociências e Museu da História Natural da UFMG, estudiosos do conjunto kárstico, a fim de fornecer maiores informações aos colegas arquitetos sobre as características do karst e as razões das preocupações relativas á implantação do Aeroporto Metropolitano no local.

Desenvolvimento Urbano – Criou-se em Minas Gerais, o Conselho Estadual de Desenvolvimento Urbano (CEDUR) pelo decreto 19.946 de 4 de julho deste ano. Sua finalidade principal é propor a política estadual de desenvolvimento urbano, sendo de sua competência definir diretrizes, estratégia, prioridades e instrumentos, definir programas de investimentos, propor instrumentos financeiros e legislação básica, expedir normas e diretrizes, e articular-se com a COPAM (Comissão de Política Ambiental) do Estado. A aplicação dos recursos do Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundeurb) também estará sujeita às normas e diretrizes do CEDUR, que é presidido pelo Secretário de Estado de Planejamento e Coordenação Geral.


[LIVRO]

Maurício Andrés Ribeiro


ENERGY, ENVIRONMENT AND BUILDING
, de Philip Steadman, Cambridge University Press, 1975 – há edição em espanhol, de 1978.

Este livro aborda um assunto que tende a tornar-se central para a atividade dos arquitetos e urbanistas e que ainda vai afetar profundamente a prática profissional. Trata-se das relações entre Energia, Meio Ambiente e Construção e o assunto adquire maior importância à medida que vai se expandindo a consciência de que é preciso encontrar maneiras de se criarem habitações, construções e cidades que sejam conservativas de energia. Na introdução ao livro, Philip Steadman adverte que a abundância de energia barata até há pouco existente foi responsável pelo descaso dos arquitetos com o desempenho energético da suas construções.

LE CORBUSIER E MIES

Mesmo os grandes arquitetos como Le Corbusier e Mies van der Rohe, demonstraram grande descaso pelo aspecto energético. No caso do funcionalismo de LeCorbusier, a preocupação em expor os elementos internos e os materiais tornava a face externa das edificações quase acidental. Descuidava-se então da casca externa do edifício, que fornecia a proteção contra os elementos, mantendo fora o vento, a chuva, o sol excessivo, e mantendo o interior fresco ou morno, de acordo com a estação. No caso de Mies, o autor observa que o interesse formal com os retângulos e o sonho de erigir torres cristalinas, transparentes e brilhantes, monumentos â neva tecnologia de aço e vidro veio a produzir blocos da escritórios onde “tanto a lógica financeira como a concepção estética que dita sua forma estão em contradição direta com a lógica da conservação de energia”. Completa observando que o dito “Menos á Mais” de Mias. Embora expresse o ascetismo da forma de suas obras, é contraditório com a performance energética de suas construções”.

Steadman chama atenção para as edificações tradicionais, primitivas, nas quais “podem se encontrar soluções muito engenhosas para os problemas arquitetônicos de resistência ás intempéries e manutenção do conforto ambiental no interior, quando o clima externo é adverso”, através do uso de materiais simples, da manipulação da geometria do edifício e sua posição relativa aos demais. Conclui, então, que o resultado é um modo de desenho infinitamente mais sutil, econômico, conseqüentemente muito humano formal e esteticamente, contrastando com as soluções tecnológicas brutalistas, que trabalham desconsiderando o clima e os elementos, apoiando-se em energia e serviços mecânicos “importados” ao invés de usar as forças naturais locais, dirigidas ou desviadas para se atingir os efeitos desejados.”

Paquistão - Climatização com vento


ENERGIA E PRE FABRICAÇÃO

Em seguida, chama a atenção para o desperdício de energia devido â complexidade da prática arquitetônica moderna: “Com a crescente complexidade veio a especialização e a divisão de responsabilidades do desenho entre várias profissões; assim, o arquiteto individual não abarca todo o processo de desenho, mas, ao invés disso, procura a ajuda de consultores …” “Como as remunerações destes consultores são calculadas como percentagem do custo do equipamento e instalação que eles especificam, não há qualquer incentivo direto à economia de energia, ocorrendo justamente o contrário”. O autor adverte para o problema da pré-fabricação, que não explora as condições específicas e climas de sítios individuais, sem acomodar-se a elas e para as construções leves, que tem pior desempenho que as paredes maciças de tijolos, do ponto de vista de conservação de energia.

Há, ainda, um apêndice sobre conservação de energia em construção, extraído de Fred xxx “Energy for Architects”, Architecture Plus, julho 1973, apontando uma listagem de itens. Destinados a tornar uma edificação existente em um prédio mais eficiente. Entre estas medidas estão: reduzir as exigências ambientais, refinar os cálculos para se evitar superdimensionamento de equipamento, mecânico, reciclar água, esgoto e lixo, usar materiais de construção que demandam menos energia na sua fabricação, evitar a obsolescência precoce dos materiais, incentivar os proprietários e os arquitetos de construções conservativas de energia, criar programas educacionais e disseminar dados ambientais para o público, engenheiros, arquitetos e pessoal de manutenção, entre outras. O livro de Steadman constitui-se leitura importante e básica para se estudar os aspectos energéticos envolvidos na construção e no desenho urbano. 


OS POBRES NÃO SAO MAIS AQUELES

Sociólogo MARCOS A.E.L.S. COIMBRA da Fundação João Pinheiro

Existem fenômenos curiosos no mundo dos intelectuais brasileiros, região nebulosa onde vicejam idéias, teorias e hipóteses as mais estranhas ao lado de outras tantas plausíveis. Mesmo os orgânicos, para não falar nos inorgânicos, têm o hábito ancestral do retardo, chegando sempre atrasados nas encruzilhadas da história e lá encontrando as forças sociais de xxx as vanguardas, os aclaradores de caminhos, em plena pugna por seus interesses. Dito de outra forma, o que se tem é uma atávica incapacidade dos intelectuais em se porem à frente, pressentindo com sua teoricamente aguçada habilidade de leitura dos sinais que a história produz os rumos do futuro. Não sei o que falta a nós intelectuais, talvez lastro teórico, talvez comprometimento real com os interesses dos grupos e classes sociais que dizemos representar. Alguma coisa falta, e o resultado é raramente podermos exercer o papel do batedor que se expõe ao desconhecido e, no mais das vezes, nos é possível pouco mais que ser a lanterna do trem da história. Vamos iluminando o percurso feito, aquele já trilhado. Óbvio que também isto é relevante. Não se deve confundir, porém, com nenhuma posição de vanguarda, pois a quem está atrás, por definição, se dá outro nome.

A MOVIMENTOLOGIA

Estas rápidas idéias valem para inúmeros aspectos da sociedade brasileira que tem preocupado a reflexão intelectual nos últimos tempos. Parece-me, contudo, que há um tema em especial, para o qual estas observações caem, diria, como uma luva. Trata-se da recentíssima preocupação com os “movimentos sociais urbanos”, coisa que tem excitado grandemente a imaginação dos intelectuais brasileiros. Não há mais de três ou quatro anos a noção de movimento social urbano soava no Brasil apenas como afetação de modernidade, pois o tema vinha trabalhado de outras plagas mais civilizadas, e era de bom-tom mostrar-se up to date com as idéias que empolgavam Paris. Hoje, como mudaram as coisas! Legiões de pesquisadores, centros inteiros, verbas vultosas de pesquisa são investidas em seu estudo. Quase se pode dizer que está surgindo uma nova profissão e uma nova ciência, a da “movimentologia”, que tem suas próprias regras de validação, seus próprios objetos, sua própria linguagem, seu paradigma ou, porque não dizer, sua “problemática”, em sentido althusseriano. A “movimentologia” está solta. Ela percorre todo o espaço do território brasileiro à cata de exemplos de movimentos sociais, encontrando-os por toda a parte, de Fortaleza á Bahia, do Rio Grande do Sul a Belo Horizonte. Sem falar, é claro, de São Paulo, o paraíso, o jardim das delícias do movimentólogo, onde pululam confirmações de sua existência em cada esquina.

A movimentologia não é ampla apenas em termos de cobertura geográfica. Nenhuma categoria ocupacional escapa à sua sanha. Garis, lavadores, operários, peões de obra, professores, motoristas, cada grupo profissional, se bem olhado, vai mostrar que já se movimentou um dia, ou está se movimentando no presente. A nova ciência e seus sacerdotes não se dão por satisfeitos. Os movimentos sociais independem da ocupação, e deve-se buscá-los em coisas como grupos de vizinhança, famílias, paróquias, enfim, na grass-roots da sociedade. Clubes, filas de ônibus, refeitórios, linhas de montagem, igrejas, festas juninas, bairros, em suma, de qualquer parte onde gente esteja reunida pode sair um movimento social e o movimentólogo deve manter abertos seus olhos para não deixar escapar nenhum.

O INVENTÁRIO DOS ESPASMOS

O inventário de cada espasmo da sociedade, de cada remelexo que ela dá, não se restringe à atualidade. Se “bem” estudado, diz a nova disciplina, vai-se ver que o passado brasileiro é fértil em exemplos. Faz-se, então, o rol de todas as greves, todos os quebra-quebras, todos os movimentos coletivos, revirando a história para encontrar confirmações do que já se sabia. O que é isto que se sabia? O que é que o estudioso dos movimentos sociais sempre encontra? Dito de forma breve, o que se descobre sempre de novo são confirmações para uma observação bastante simples: a sociedade é coisa viva, portanto, se movimenta.

Todo o mistério dos movimentos sociais urbanos está em saber por que uma coisa tão banal não se verificava, ou não era percebida, até recentemente, e porque passou a sê-lo agora. Assim, mais que arrolar exemplos e catalogar ocorrências, o verdadeiro problema do estudo desses movimentos são as condições em que se tornam simultaneamente observáveis e compreensíveis os fenômenos, as determinações de sua possibilidade, enfim. Que existem os fenômenos resumidos dentro do termo não se discute. Parece óbvio que, conforme diz o título, os pobres não são mais aqueles. Há uma nova vida nas periferias urbanas brasileiras, onde proliferam formas organizativas novas, como associações de bairro, grupos de melhoramentos, sociedades de defesa mútua. Há uma renovação da vida sindical, anunciada pelo aparecimento das oposições sindicais e hoje cristalizadas em novas lideranças. Há uma Igreja mais presente e companheira dos pobres em suas lutas por condições mais dignas de vida e trabalho, Há uma ousadia e uma coragem que são pouco usuais em nossa história, nas reivindicações dos grupos mais explorados.

PORQUE OS POBRES NÃO SÃO MAIS AQUELES

Constatar isto de trás para frente, do cabo ao rabo, de um lado para o outro, não é o mais interessante. Como estas coisas ocorrem não as explica, nem onde. É preciso saber por quê. Trato, a seguir, de uma hipótese que me parece logicamente plausível para explicar porque não mais são aqueles os pobres e, ao mesmo tempo, porque só agora nos estamos dando conta disto. É desnecessário, mas oportuno, lembrar o caráter provisório da hipótese, que muito necessita de testagem e verificação. Vale.porém, como idéia para debate. O que me parece essencial para entender as mudanças que se observam hoje no comportamento político e pré-político das classes subalternas é observar que são uma decorrência necessária e contraditória do padrão de desenvolvimento que o capitalismo assumiu no Brasil. Não é este o lugar para discuti-lo, mas algumas coisas podem ser ditas. A continuidade e expansão do desenvolvimento capitalista, sob ameaça com a crise do modelo agro-exportador e sua variante substitutiva de exportações, se fez com a radical exclusão das classes populares do sistema político. Isto decorria do caráter novo que a internacionalização do mercado interno gerava, com as firmas oligopolíticas dando o ritmo e os estímulos para o avanço da acumulação. O padrão de concorrência próprio a esse mercado oligopolizado exigia renda reconcentrada, isto é, agravamento no perfil de distribuição de uma renda já anteriormente concentrada. A solução da crise, que poderia se dar com um modelo de maior participação, tomou outro rumo : aumento dos privilégios, da injustiça, a transferência maciça de renda real das camadas mais pobres para as mais rica,s. Naturalmente que este modelo não poderia conviver com um pacto de dominação marcado pela participação submissa e submetida dos trabalhadores, com o populismo, em breve. Assim, o autoritarismo era, até certo ponto, inevitável, pois não se poderia manter uma relação amiga e protetora de categorias sociais que viam a cada dia agravar-se o quadro de sua simples sobrevivência. Era preciso excluí-las do pacto político e mantê-las caladas e quietas pelo uso direto da força. No modelo, a exclusão econômica e o autoritarismo político andavam de braços dados, e não creio que poderia ter sido diferente.

POPULISMO E DOMINAÇÃO

0 populismo foi estratégia de dominação marcada desde o início por característica básica. Para incorporar despolitizando, era preciso dar algo de material aos aliados, era preciso pagar a adesão dos trabalhadores através de distribuição ou de redistribuição. O fim do populismo representava, então, a possibilidade de que o Estado pudesse libertar-se desse papel de agência “protetora”, e abandonasse as práticas de atendimento de demandas e reivindicações dos setores das classes incluídas. Os efeitos dessa transformação se fariam sentir de imediato na política salarial e nas várias políticas distributivas de cunho social, como a previdência, garantias ao trabalho na forma de estabilidade e proteção, saúde, habitação, infra-estrutura urbana, etc. Todas na medida em que deixavam de ser orientadas para satisfazer, ainda que parcialmente, um aliado politicamente relevante, foram redefinidas com finalidades únicas de contribuir para a acumulação excludente que o Estado a o grande capital implantavam. Sob certo sentido, portanto, pode-se dizer que o autoritarismo liberta o Estado e as categorias que nele se representam diretamente da convivência com as classes, médias e populares, típica do populismo.

j.e. Ferolla
Há, porém, outro lado nessa moeda. O mesmo movimento que liberta o Estado cria as condições para outra liberação, que é a das classes populares de sua tutela pelo Estado. A nova estratégia de dominação, essencialmente baseada na repressão e na força, por outro lado fazia mais claras as coisas, ajudando a desmascarar certos mitos que o populismo acalentava carinhosamente. O interventor sindical, por exemplo, era mais óbvio, muito mais óbvio, que o pelego que, exatamente por ser um híbrido de trabalhador e agente estatal, confundia e dificultava uma ação sindical mais aguerrida. O fechamento dos Institutos de Aposentadoria e Pensão e, em outros exemplos, a criação do BNH, a privatização da medicina, o fim da política de abastecimento popular, entre outras, mostravam, cada vez com menores dúvidas, de que lado estava o Estado. Tem-se, assim, como decorrência contraditória do autoritarismo, uma situação quase original na história do Brasil contemporâneo. Pela primeira vez, desde a Revolução de 30 e a montagem subseqüente do modelo populista, em diversas versões, se puseram condições para uma ação social relativamente autônoma das camadas populares. A quebra do pacto populista, com seu paternalismo repressor, significou a perspectiva de uma independência dos pobres.

Disse que era “quase original” porque, sob certo aspecto, o Brasil de hoje se parece com o de antes de 30. O “laissez-faire” das relações sociais naquele período, que dava lugar a sindicatos autênticos, imprensa operária significativa e partidos ideológicos foi substituído por outro tipo de presença do Estado, mais bruta e forte, mas igualmente despreocupada com a promoção da justiça e do bem-estar comum. Daí, inclusive, um renascimento ambíguo do liberalismo, mesmo dentro do movimento sindical, que é, simultaneamente, a favor de negociações diretas, e procura canais próprios da representação e expressão.

É esse movimento amplo de autonomização relativa dos setores populares, desdobramento conflitual do modelo excludente e do autoritarismo, que explica, a meu ver, porque se assiste hoje a um vicejar dos movimentos sociais urbanos que tanto interessam aos intelectuais. Alguns de seus sinais já foram referidos: novas Sociedades de Amigos de Bairro, novas organizações mais horizontais como o Movimento de Custo de Vida, formas ainda há pouco consolidadas como Cooperativas de Consumo, etc.

Há outros, também, como a votação aos candidatos autênticos do MDB, as reclamações trabalhistas, as greves e paralisações.

É cedo para se falar nas perspectivas dessa situação que se descreveu muito grosseiramente. Uma possibilidade que creio bastante alta é embarcar o Estado novamente na expectativa do populismo, para tentar recapturar a sociedade que lhe escapou do controle. Outra, menos provável, é que, pelo que tem de recente e de localizada nas áreas industriais do país, onde se concentram os setores operários mais modernos, a nova vida nas periferias-não chegue a provocar mudanças de vulto e acabe engolida pela inércia da história.

O futuro dos movimentos sociais urbanos está por ser imaginado. Do conhecimento mais acurado de porque surgiram eles, do diagnóstico realista de sua real relevância política, da observação de como e onde ocorrem, devem-se retirar ensinamentos para orientar a ação a ser tomada, buscando compreender o presente para interferir no futuro. Sem esse esforço, acho que de novo nos condenaremos a ir de reboque na história e sermos surpreendidos na frente por coisas que estavam inscritas no presente, mas que fomos incapazes de ler.


DEPOIS DAS CHUVAS…

O Município de Belo Horizonte se localiza na Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, no vale de seus afluentes Arrudas e Pampulha-Onça. A Bacia do Arrudas abrange cerca de 20.600 ha, 16.200 ha pertencentes a Belo Horizonte, 2.900 ha a Contagem e 1.500 ha a Sabará. O talvegue do Ribeirão desenvolve-se na direção Oeste-Leste e sua extensão é de 47 km, contados desde a cabeceira à sua embocadura no Rio das Velhas.

Até então é o principal coletor das águas pluviais e dos afluentes dos esgotos sanitários da capital mineira. Sua situação em relação à cidade provocou aumento na urbanização e canalização de seus afluentes.

O problema das enchentes neste vale agrava-se de ano para ano, trazendo conseqüências desastrosas para os habitantes das margens e para o próprio poder público. Tais problemas tendem a se agravar ainda mais, na medida em que se constroem coletores e galerias de águas pluviais à montante.

Por isso, a discussão sobre as causas da grande enchente ocorrida a 8 de fevereiro passado em Belo horizonte ainda não se encerrou. De maneira geral existe a crença de que o fato decorreu de uma chuva excepcional, de pequena duração. Na realidade, a análise dos registros pluviométricos e pluviográficos dos serviços metereológicos localizado no Horto, no Aeroporto da Pampulha e em Contagem, permite algumas conclusões diferentes. Os meses de janeiro e fevereiro apresentaram realmente precipitação total de 902 mm, a maior dos últimos vinte anos. As chuvas de janeiro provocaram a saturação do terreno, tornando-o incapaz de reduzir o volume de água, que passou a fluir rápida e diretamente para os córregos. Numa região com características topográficas e com o nível de urbanização da Região Metropolitana, a saturação configurou-se crítica. Nos primeiros dias de fevereiro houve uma intensificação das chuvas que culminou com precipitação de 51,8mm entre 17,10 e 22 horas do dia 8, ocasionando violento transbordamento do Arrudas que atingiu o próprio centro de Belo Horizonte. De modo geral, analisando-se os pontos atingidos, é possível constatar o despreparo do aglomerado metropolitano para enfrentar esses fenômenos naturais e previsíveis. Por um lado o Plano Metropolitano de Drenagem Urbana elaborado em 1975 pelo PLAMBEL, não vem sendo executado nos prazos previstos por falta de recursos. Por outro, a ocupação do solo urbano se faz a mercê dos interesses do mercado imobiliário, sem que se meçam as conseqüências dessa urbanização. Verificamos, paradoxalmente, que as autoridades permitem o agravamento contínuo da situação por não fixar critérios técnicos adequados para garantir que a urbanização não resulte na necessidade de recursos crescentes para drenagem.

A ocupação de encostas íngremes verificada na zona sul da capital ocupa terreno friável onde grandes cortes e aterros vêm provocando sérias erosões, com carreamento de material para as galerias pluviais e leitos dos córregos. Esses loteamentos geralmente retiram toda a cobertura vegetal natural acelerando o processo erosivo, reduzindo a capacidade de retenção de água da área e produzindo rápida concentração das chuvas nas partes baixas. Como se não bastasse a ocupação de encostas íngremes, ainda se permite a abertura de loteamentos sem implantação da rede de drenagem, agravado pela eliminação da cobertura vegetal e aterro de talvegues, destruindo a drenagem natural. Some-se a isso os bota-foras indiscriminados em todas as áreas da cidade, mesmo junto às calhas dos córregos, composto de material não compactado, facilmente carreável, o primeiro a obstruir as redes de drenagem. As prefeituras vêm permitindo esses lançamentos para evitar que o custo de transporte de terra e outros materiais a longa distância venha onerar mais ainda as obras em execução. Chega-se ao absurdo de não se remover das margens dos córregos a terra retirada pela drenagem feita para recuperação de seus leitos. Isto leva à necessidade de implantação de um serviço sistemático de limpeza das galerias e recuperação dos leitos dos córregos, o que não vem sendo feito por descaso ou falta de recursos.

A situação da área central de Belo Horizonte é crítica. Sua rede de canalização fluvial é antiga e insuficiente para escoar o volume crescente de água que a impermeabilização que vem acompanhando sua ocupação acarreta. Essa área, que apresenta baixas declividades e é cortada pelos meandros do Arrudas, terá sempre lugares sujeitos a inundações, enquanto não se fizer a canalização definitiva d’o ribeirão.

A Lei de Uso e Parcelamento do Solo permitiu a ocupação e conseqüente impermeabilização de 100 por cento da área de cada lote em grande parte da área central, fato já agravado pelo asfaltamento extensivo. Além disto, as barragens do Acaba-Mundo e Santa Lúcia estão completamente assoreadas, sendo que na última foram executadas obras de terraplenagem. Mesmo a barragem da Pampulha não foi feita para controle das cheias, apontando-se várias falhas quanto a sua operação.

Os resultados estão aí aos olhos de todos; as calhas dos córregos e ribeirões assoreadas, as redes pluviais, onde existem, entupidas, as áreas baixas sofrendo inundações cada vez maiores, atingindo atualmente o próprio centro da cidade.

Entretanto, é nas áreas baixas inundáveis e de pior qualidade, naturalmente colocadas fora do mercado imobiliário, que os migrantes vão construir suas precárias habitações, os desempregados e operários cujo salário torna impossível aquisição de um terreno ou pagamento de aluguel O preço que esses pagaram é de conhecimento público conforme noticiaram os jornais.

Derly Maria da Silva, 24 anos, três filhos, estava fazendo comida. Há dois dias não chovia e ela já havia deixado o Abrigo São Paulo e, de volta ao seu barraco, às margens do Córrego do Onça, tentava colocara rotina na sua vida. “De repente, o céu começou a ficar preto. Eu vi a nuvem caminhando prá cá. E o tempo fecha, a gente perde até a fome”. Miúda, clarinha, com os olhos muito pretos, Derly não pára de falar do dia em que ela chegou (8 de fevereiro de 1979), o dia em que caiu a tromba d’água sobre Belo Horizonte, provocando a enchente mais grave dos últimos vinte anos da história da cidade. “Eu tinha pensado em fazer um macarrão, mas quando vi que “ela” vinha, pensei, vai arroz com feijão mesmo. Dei pros meninos falando – anda, menino, come depressa. Mas não deu tempo. “Ela” chegou e em quinze minutos já estava com água na cintura. Na hora em que “ela” toma conta, eu só corro para salvar meus filhos. Porque eles se a gente perde na água, não acha nunca mais.”

(“EM TEMPO” no.15, pág. 12 de 15 a 21/02/79).

Essa é a situação dos flagelados mineiros, segundo as regionais do Cedec: Diamantina, 2.747 flagelados; Governador Valadares, 10.253 desabrigados; Bom Despacho 47; Barbacena, 1.661; Montes Claros, 33.646; Ipatinga, 1.498 e Patos de Minas, 36; Sabará, 40 desabrigados; Nova Lima, 200; Betim, 68; Neves, 60.

(“ESTADODEMINAS” 1o. caderno, pág.6 8 de abril de 1979)

“As casas que estão sendo construídas no bairro Gorduras, para abrigo dos flagelados da cidade, são de inteira responsabilidade do governador do Estado e da prefeitura de Belo Horizonte”.

A informação é do diretor da Chisbel, Marcelo Andrade Neves, que afirmou, ontem, a não participação do órgão Chisbel – na realização da obra. E desmentiu, ainda, que tenha informado, aos quatro vereadores que o procuraram na segunda feira, que a Cohab tenha qualquer participação na construção. A realização da obra foi decidida através de um convênio assinado, diretamente, entre o governador do Estado, na época Ozanam Coelho, e o então prefeito Luiz Verano, no Palácio dos Despachos. A participação da Chisbel se limita à prestação de ajuda em Unheiro e material de construção aos flagelados que perderam suas casas e, quanto à Cohab, a única participação foi a da doação do terreno do Gorduras. Inclusive as quatro construtoras encarregadas das casas foram afastadas de suas funções – Via Expressa – para atender a essa determinação do governador.

(“ESTADO DE MINAS ” 1o. caderno, pág.5 16 de maio de 1979)

Construídas pelas quatro construtoras da Prefeitura Municipal – Nossa Senhora da Glória, Andrade Gutierrez, Alcindo Vieira e Mendes Júnior – as futuras casas dos flagelados.

(“ESTADO DE MINAS” lo. caderno, pág.6 8 de abril de 1979).

 
Passados cinco meses das chuvas, quando 402 pessoas que perderam seus barracos ainda se encontram abrigadas em locais oficiais, a Secretaria Estadual do Trabalho anunciou, ontem, sua intenção de construir casas para todos esses flagelados que estão cadastrados no Grupo Escolar JK e no Abrigo São Paulo. Segundo informações do gabinete do secretário, a Secretaria do Estado do Trabalho e Ação Social já tem a verba para a construção mas está em fase de contatos com “vários setores” para arranjar os terrenos onde serão construídas as casas. Sobre as casas do Gorduras, a Secretaria do Trabalho informou que “não tem nada a ver o conjunto” e nem recebeu do Palácio informação alguma sobre aquelas casas.

(“ESTADO DE MINAS” lo. caderno, pág. 14 22 de abril de 1979).

Sem alicerce algum, as peças de madeira foram diretamente fincadas na terra e logo apodrecerão. As paredes são de frágil compensado de madeira, desse tipo que se usa como tapume de obras. A cobertura é de telha de amianto ordinário. A área construída é de apenas 18 metros quadrados e todo o lote (incluindo a cabana) mede somente 34 metros quadrados, quando se sabe que nos conjuntos mais modestos, tipo Cohab ou Profilurb, mede, no mínimo, 180 metros . Portanto, os chamados lotes do Gorduras são cinco vezes menores do que o legalmente indispensável. “Ruas não existem, apenas vielas de, no máximo, 3,90 metros de largura. As cabanas não possuem banheiro, nem vimos espaço para colocá-los.

Não há calçamento, sequer encascalhamento. A erosão já começa a aparecer nas encostas e até nas partes planas do terreno. Tanto a fragilidade das cabanas como o terreno inteiramente desprotegido levam a crer que não vão durar nem mesmo os seis meses calculados por entendidos, como, por exemplo, o Instituto de Arquitetos do Brasil, seção Minas Gerais. São 850 cabanas comprimidas numa área onde caberiam no máximo 200 habitações tipo Cohab.

(“ESTADO DE MINAS” lo. caderno, pág.5 10 de maio de 1979).


“Mil vezes pior que o gasto na retificação deste ato criminoso seria deixar como está e permitir que milhares de seres humanos, crianças e adultos passem a viver naquele antro”.

(“ESTADO DE MINAS” lo. caderno, pág.5 10 de maio de 1979).

O presidente da União dos Trabalhadores da Periferia de Belo Horizonte, Francisco Farias Nascimento, está pedindo ao prefeito e a todos os membros das administrações municipal estadual e também federal que se posicionem no sentido de definirem as questões que dizem respeito “ao vergonhoso Conjunto Habitacional do bairro Gorduras”, feito para abrigar os flagelados das enchentes que assolaram o Estado no início do ano. Segundo o presidente da União dos Trabalhadores, na época das chuvas o então secretário de governo assumiu o compromisso de construir um conjunto habitacional no bairro Gorduras. Agora, esclarece, “o que se vê no local são 850 caixotinhos de compensado forrado com telha de amianto, ambos de péssima qualidade, sem iluminação e sem rede de água. E dizem que é para ser habitado”.

(“DIÁRIO DA TARDE” lo. caderno, pág.2 21 de maio de 1979).

Numa reunião onde estiveram presentes representantes de 50 vilas (inclusive da Grande BH), os favelados de Belo Horizonte decidiram, na última quarta-feira, que não deixarão suas casas para ir para o Gorduras por “hipótese alguma”. E começam essa semana a realizar um trabalho de conscientização de todos os favelados para que não se iludam com as palavras daqueles que tentarem forçá-los sob ameaças ou sob promessas a morarem por algum tempo no conjunto do Gorduras”. Reafirmando a disposição dos favelados em hão deixarem suas casas sem a indenização definida e de não irem para o Gorduras, o presidente da União dos Trabalhadores da Periferia de BH disse, ainda, que “embora a Chisbel negue, ela continua, ainda essa semana, ameaçando moradores de várias favelas a serem levados para o Gorduras”.

(“ESTADO DE MINAS” lo. caderno, pág.5 22 de junho de 1979)

Em requerimento que irá apresentar esta semana na Assembléia Legislativa, o deputado oposicionista Luis Otávio Valadares encaminhou pedido ao governador Francelino Pereira para que proceda à demolição do conjunto habitacional do Gorduras, “uma vez que ele não se presta a nenhuma de suas finalidades, dada a sua extrema precariedade”. O parlamentar justifica sua solicitação afirmando que “o conjunto habitacional do Gorduras, destinado a abrigar o restante dos flagelados das enchentes, é inabitável. Custa acreditar que firmas conceituadas tenham aceitado edificar tamanha monstruosidade.

(“DIÁRIO DA TARDE” lo. caderno, pág.3 28 de maio de 1979)

Belo Horizonte - Contagem

Passada a grande enchente de Belo Horizonte, os flagelados voltaram a se movimentar, acostumados já a não aguardar ajuda de cima. Muitos se acomodaram em casas de parentes, a maioria voltou para as antigas favelas â beira de córregos ou nos altos de morros, como-opção restante. Houve casos de antigos moradores serem recebidos sob violência policial, inviabilizando o retorno pretendido. A violência também se fez presente quando da tentativa de invasão de terrenos públicos. Afinal, a ocasião era propícia para a remoção de parte das favelas da Grande BH, a baixo custo. Valendo-se da emergência, o Governo do Estado realiza convênio para implantar a “solução” do conjunto do Gorduras, a 8 km do bairro São Francisco, em terreno doado pela COHAB. Com término previsto para abril, o aglomerado do Gorduras propunha a construção de cerca de 850 casas, um poço artesiano e iluminação pública nas principais vias de acesso. Segundo a imprensa, os empreiteiros receberiam vinte mil cruzeiros por casa, mais cinco mil cruzeiros referentes á obras de saneamento, perfazendo valor unitário de vinte e cinco mil cruzeiros. O Informador das Construções, de 15 de fevereiro, apresentou orçamento de Cr$ 11.838,50 para a edificação de moradia nos moldes propostos, já computados mão de obra e encargos sociais. O CETEC, órgão ligado â Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado, estimou na época o custo do material a ser empregado em casa de alvenaria, com 3 cômodos, área de 20 m2, inclusive alicerces, laje e telhas francesas, em: Cr$9.129,00 – para alvenaria em blocos de concreto e Cr$ 10.726,00 – para alvenaria em tijolos furados.

Para o caso de Gorduras, dos materiais a empregar, destacam-se: telhas de amianto, paredes em madeirite. De curioso, a inexistência de alicerces, fincando-se as casas diretamente no solo. Área de cada unidade: 17,49 m2. Na ocasião, o Jornal dos Bairros publicou a opinião dos flagelados como favorável ao recebimento de terreno com infra-estrutura e respectivos materiais, ficando a construção por conta deles em regime de mutirão. Renegando a “solução” Gorduras, os marginalizados resistem â ameaça de mudança, como é o caso dos moradores do Perrela, Vila União e favelas próximas, chegando mesmo a afirmar: “Ali é pior que qualquer favela.” (V. entrevista pág.20)

Favela e Gorduras apenas se identificam quanto à precariedade do material utilizado nas construções, mas falta ao segundo as características sociais e de coletividade que viabilizam a primeira. A favela é a própria garantia de subsistência, localizada próxima ao mercado de trabalho’, na maioria das vezes o biscate e o emprego doméstico, próximo às áreas servidas por infra-estrutura utilizada clandestinamente. Além disso, há o lixo caseiro: móveis e roupas jogados fora e restos de comida que servem para alimentar criação de porcos. Outro aspecto importante diz respeito â constituição da favela como estrutura de apoio ao morador. A própria organização espacial reflete isso: espaços familiares criados entre as casas, quase sempre nos fundos, as portas de serviço se defrontando. Todo este condicionamento típico inexiste no Gorduras, com o agravante de os moradores serem obrigados a grandes deslocamentos até os locais de trabalho, pesando no precário orçamento.



O QUE SE QUESTIONA

Gorduras mostra construções distribuídas em patamares com duas fileiras de casas cortadas por rua de 3,60 m. de largura. A cerca de um metro do limite de fundos das habitações, existem taludes que definem os patamares. A distância entre casas é de três metros e a organização regular e retilínea. Foi justificada como solução provisória, aproximadamente 4 meses, enquanto se estuda o problema de cada uma e a melhor maneira de solucioná-lo”, segundo Marcelo Neves, diretor da Chisbel. O otimismo do Sr.Diretor quanto ao prazo seria estimulante, não fosse tão grande a desconfiança da população frente à eternização de soluções ‘provisórias. Questiona-se Gorduras principalmente pela precária viabilidade de serviço,onde entrar e sair se evidenciam como possibilidade única. Ora, para o morador de favelas, o espaço externo é fundamental e a casa mais um abrigo, o lugar de dormir. Atividades outras são realizadas no terreiro, onde comadres trabalham batem papo, vigiam crianças, se divertem. Dentro e fora se confundem: o fogão pode estar dentro, mas a bacia de lavar panelas, em geral, está fora. O verde envolve tudo, com bananeiras trepadeiras, couve e chuchu. Há o espaço coletivo, a clareira das “peladas” aos domingos. A bica e o boteco definem áreas comuns, interiorizadas, fatores de coesão, espaços polarizadores. Tudo isso reforça as dúvidas quanto ao acerto do esquema Gorduras, cuja rigidez de malha disciplinada não possibilita qualquer ajuntamento de pessoas, menos ainda convivência comunitária. Reproduziu-se ali “modo de morar” típico de classe média, em dimensões caricaturais, miniaturas de apartamentos em espaço sufocante, massificante. Pode-se mesmo afirmar que é um processo de violentação do favelado, na medida em que avilta sua forma de apropriação do espaço e a manifestação de sua própria cultura. A intenção aparte* dará : entrar no conjunto. Ir para essa (se possível encontrá-la), sair do conjunto, dispersar-se pela cidade à procura de trabalho, não conviver, não se relacionar, é tirada a possibilidade de organização e cada uma como puder, que se recolha em seu pequeno cômodo, face à ausência do entorno da casa, do quintal coletivo, das clareiras. A casa é clausura: apenas uma porta, interior e exterior separados de forma rigorosa.

PROMISCUIDADE

Paralelamente, não há possibilidade de isolamento, uma vez que a distância entre casas e os materiais utilizados não permitem privacidade, é ilustrativo o depoimento de Francisco Nascimento, Presidente da União de Moradores da Periferia de Belo Horizonte: “Calcula-se que serão 850 famílias comprimidas em tão pouco espaço. (V. entrevista). Há perigo de conflito entre vizinhos, a angústia, o desespero permanente e o medo contínuo de incêndios alastrantes, dado o perigo de um fogão dentro de tão apertadas cabanas feitas de material altamente inflamável. Nas favelas, as diferenças de nível do terreno, o agrupamento de casas orientadas de forma diferente, os espaços familiares individualizados, ainda que os afastamentos entre moradias sejam pequenos a organização permite a individualidade e ao mesmo tempo a possibilidade da área coletiva. Constata-se no Gorduras a impossibilidade de reproduzir o próprio modo de viver daqueles a quem se destina.

Para uma situação de calamidade, uma solução da emergência, favorecendo apenas algumas empresas construtoras e configurando ameaça permanente para centenas de famílias que, a duras penas, reconstruíram seus barracos com maior rapidez que esses empreiteiros, que contaram com recursos até excessivos frente ao produto apresentado. O conjunto Gorduras ainda nem estava pronto e a maioria dos flagelados já tinha “quebrado o galho”. Se a Chisbel tivesse eliminado os intermediários e entregado diretamente aos interessados o terreno e os materiais como pediram, a solução seria muito mais eficaz, e ainda, muito mais rápida e econômica. Afinal, quem constrói nas grandes empresas são esses mesmos favelados, e ninguém conhece melhor que eles o modo de vida e moradia que lhes convém. Assistimos outra vez à falência das atitudes paternalistas e comprometidas, que levaram ao conhecimento público um vexame maior que a atual atitude da Chisbel, que andou carimbando casas de favelados, lembrando o “xis” nas moradias dos hebreus…

P.S. Quanto se terminou de redigir este artigo, chegou-se ao conhecimento da instauração de uma comissão parlamentar de inquérito para tentar apurar o que foi feito da verba / destinada às vítimas de enchente (V.Estado de Minas de 8/7/79), outro vexame que o Sr. Marcelo Andrade, diretor da Chisbel, poderia ter facilmente evitado. Como em várias outras CN provavelmente será tudo arquivado, pois reconhecer a incompetência do Estado é algo que, nem em tempos de abertura, ainda se teve notícia.

Esta entrevista foi feita durante uma reunião comunitária de moradores das vilas do Perrela, Santa Terezinha e União. Ameaçados de i desalojamento devido às obras da via expressa Leste-Oeste, foi-lhes apresentada possibilidade de ocuparem o conjunto dos Gorduras por um1 período de tempo, para posteriormente conseguirem adquirir um lote e se instalar definitivamente.

Esta conversa é uma coletânea de impressões sobre as medidas que são tomadas com relação aos favelados analisadas por eles mesmos, e fala também de suas aspirações e seus problemas.

No final, um depoimento de uma moradora da favela que na última enchente (Fev/79), perdeu sua casa e tudo o que havia dentro.

… Falaram que o favelado não sabia morar Eu sempre penso que á o governo é que não sabe construir…
 
1 – Que impressão tem do Gorduras?

Não somos contra as obras públicas, porque sabemos que as obras públicas são o engrandecimento de nossa BH Somos contra de ir para os Gorduras porque não tem condições para a família morar. Porque os barracões de lá já foram condenados pelos engenheiros arquitetos (sic).

O engenheiro arquiteto é que refere que as casas não tem sobrevivência mais de 6 meses. Aquilo lá não serve nem pro cachorro do favelado morar. Muito embora o favelado seja marginalizado lá em cima, aqui existe muita gente boa, são pessoas de baixa renda, carentes, mas nós também sabemos morar. Esse caso dos Gorduras, esse diretor da CHISBEL, eles tão querendo aproveitar i a mesma coisa de uma palhada – depois que você colhe\ o mantimento, então solta a criação naquele resto que fica lá e eles vão e comem o resto.

Então aquele resto, eles comeram uma verba muito garante que ficou pelos 21 mil e pouco aqueles barracões e tem pessoas aqui que entendem e diz que não ficam mais de 5.000,00. Então, eles querem mandar nós para lá, é a mesma coisa que uma palhada, o negócio não presta não, pode jogar qualquer criação lá para comer o resto. Até para pessoas que foram indenizadas eles estão propondo de ir para lá. Porque se fosse casa própria, eles não queriam dar. As casas lá são emprestadas por 90 dias. Depois de 90 dias, dar um dinheiro para o favelado dar entrada no lote. Os barracões, eles tão doidos pra mandar gente pra lá por que eles comeram a verba, era uma verba que podia ter feito coisa melhor, eles estão querendo ver se ocupa aquilo lá de qualquer maneira e estão propondo que vão dar um dinheiro, mas eu já tenho uma série de experiências e sei a convivência desse diretor da CHISBEL com o favelado, eu não acredito que ele vai dar nem o dinheiro para o favelado dar entrada num lote. Sou um dos presidentes da Vila União e Santa Terezinha e o que nós falamos para os nossos companheiros, é que não vá à CHISBEL nem atender esses avisos.

Moro em favela há 14 anos, sei muito bem que quando vem esses avisos, vem um fiscal percorrer esses barracões, saber quantos cômodos tem, o que é de melhoramento, e esses avisos é exatamente para as pessoas chegar lá e o pessoal da CHISBEL perguntar, saber da vida deles, saber o que que eles tá comendo.

A CHISBEL não tem nada a ver com isso. Eles teriam que saber ou sobre uma casa própria ou a indenização justa de 16.200,00. Desse jeito nós saímos plenamente. Estamos para sair a qualquer momento, desde nos indenizar. Do contrário não saímos de maneira nenhuma. Nós temos nosso advogado Dr. Obregon Gonçalves que trabalha 24 horas por dia para o favelado sem cobrar um tostão. Mas voltando ao problema dos Gorduras, além do espaço ser de apenas 18 m2, sem jeito para crescer, ainda não tem água, luz, e a instalação sanitária é para quatro famílias ao mesmo tempo.  

Todo favelado pode não ter instalação completa, mas tem sua casinha com fossa, alguns até de rede. Lá é muito longe e tem pessoas sem condição para trabalhar, não tem dinheiro para pagar a condução todos os dias. Aqui a gente sempre vai a pé, o serviço é perto.

Até que se tivesse lá nos Gorduras, uma casa própria de 180 m2 de terreno, pelos menos meio lote, as pessoas sofriam uns tempos, mas podiam dar um jeito de arrumar emprego por lá e sobreviver.

Uns tempos atrás, num governo anterior, falaram que o favelado não sabia morar. Eu sempre penso que é o governo é que não sabe construir. Morar nós sabemos, nós não temos é condição.

2 – Saindo daqui, onde pensam ir?

Tem muita gente que se for indenizado em 16.200 irá para outra favela. O nosso lema não é receber a indenização, nós estamos querendo é o PLANHAP- Plano Nacional de Habitação Popular. Nosso interesse é ter casa própria. As pessoas estão dizendo que até o fim do ano teremos que sair daqui, eles enrolam, a prefeitura já disse que deu o terreno, o Plano PLANHAP de Habitação alega que não recebeu o terreno, por isso temos certeza que não vai sair as casas.

Por 16.200,00, nós saímos tranquilamente sem precisar recorrer à polícia, como já ocorreu aqui recentemente. Um nosso companheiro foi levado por pessoas que nem sabíamos que eram da polícia. Foi levado para a CHISBEL, e de lá para o DOPS. Depois de muito falaram que o favelado não sabia morar. Eu sempre penso que é o governo é que não sabe construir.

Ameaçado no DOPS, foi dito a ele para aceitar qualquer acordo que a CHISBEL fizesse, sob pena de represálias. Mas não fugindo da sua pergunta, eu como todo favelado tem desejo de ir para uma casa própria e não para outra favela. A maioria das pessoas não tem condições de ir pra um lote urbanizado. Menos de 15 por cento. Aqui nas nossas favelas, temos 2000 casas. Dessas, somente umas 200 podem ir para um lote próprio.

3 – A indenização de 16.200,00, o que cobre?

É por cada cômodo, sendo que um melhoramento vale como um cômodo. Uma cisterna vale um cômodo, um padrão de luz vale um cômodo. O preço médio de um barraco indenizado fica por 50.000,00 mais ou menos. Mas esse dinheiro é pouco para adquirir uma casa própria. Como o favelado está acostumado com pouco, faz um barraco mais humilde e com o tempo ele pode melhorar. Eu acharia pelo menos, que tem aqui barracões com só um cômodo, de papelão, que não seria justo que este companheiro também recebesse a mesma indenização. Ele deveria receber uma ajuda para sair da favela, pra não dá mais amolação pra CHISBEL.

4 – Como é o processo de remoção do favelado?

Eles vem e tiram as pessoas, mas por não ter quem tome conta, vem outro favelado e ocupa o lote que está vazio. Para ser assim, é preferível a gente mesmo ficar, porque se eu saio, dou lugar pra outro. Nós saímos com a lei mas não para ir para os Gorduras. A CHISBEL tem interesse em desapropriar, por isso ela não põe alguém para tomar conta dos locais desocupados, ela ganha dinheiro com isso, de forma que para um barraco de 60.000,00 para o favelado, a verba é de 80.000,00 para a CHISBEL. Além disso, ela não tem critérios para a distribuição de verbas de emergência, não beneficiando as pessoas que precisam realmente.

5 – Qual o emprego do favelado?

Eu acho que o embelezamento e o engrandecimento de BH nós devemos ao favelado, porque o favelado sendo o de baixa renda, é que é o pedreiro, que começa o prédio, é o que pega todo o pesado. No entanto, a maioria dos favelados passa fome. Na época daquela enchente teve muito gente que ia lá para o Jumbo pegar os restos de comida, coisas estragadas, para poder sobreviver.

6 – Qual foi aqui a conseqüência das chuvas?

Aqui teve muita casa caída e se tiver uma enchente metade da anterior, vai ser bem pior porque deu rachões na terra. Com uma nova chuva o que sobrou vai embora, pelo menos umas duzentas famílias vão embora porque não vai dar tempo de sair, poderá morrer muita gente.

7- Continuam vindo muitos do interior para BH?

Se o governo olhasse para o homem do campo, ele não viria para a cidade grande. Eles vem de lá porque não tem condições. No interior o homem tá ganhando 30 cruzeiro por dia para trabalhar de 6 da manhã às 6 da tarde, e ganha 40 cruzeiros se traz o caldeirão de comida de casa. Os alimentos lá são mais caros e de pior qualidade, e não existe mais de um tipo. Agora, se der condições para o homem do campo viver lá, ninguém vem para BH O homem do campo quando vem para a cidade, para ele é uma coisa de outro mundo.

Ele não acostuma aqui nem com um ano. Ele vive aqui por necessidade e a vida não á fácil pra ele. As mulheres num pode nem ter muito filho porque o dinheiro não dá. Eu achava que o governo devia tomar uma providência, porque tanto o homem do campo chega aqui, ele enfrenta aquele dilema: o emprego é difícil. Muitos vêm para BH e ficam desempregados, uns às vezes por motivo de documentos, ele tem que ter o certificado de reservista pra tirar a carteira profissional, começando por aí as suas dificuldades. No interior devia ter hospital, escolas, etc.

Por exemplo, o fazendeiro põe o agregado na sua fazenda.O agregado é aquele que faz a roça com o patrão. O patrão cobra dele a terça. Se ele colhe 30 alqueires de milho, o patrão tem 10 alqueires sem ter trabalho nenhum, ele não arou o terreno, não fez nada. O homem do campo é geralmente doente, é difícil de ver homem gordo porque ele vive sofrendo, passando fome. Ele alimenta só duas vezes por dia e pouco.

O custo de vida em BH é mais barato que no interior mais de 30 por cento. O povo do interior tá muito desfardado, mesmo devido as faltas de chuva, num tá produzindo mais nada “nas suas terras”.

Tem muitos fazendeiros que não gostam de ter o “camarada” nas suas terras para não ter problemas depois. Eles preferem buscar os camaradas na cidade e nas favelas, sendo que o trabalhador tem que viajar todo dia, até 200 km. Se o governo não tá agüentando manter a cidade de combustível…


8 – Existe aqui, algum tipo de assistência de Entidades Filantrópicas?

Durante a época das enchentes, teve distribuição de roupas e alimentos, os quais foram tão bem distribuídos quanto à verba que a CHISBEL distribuiu para os flagelados; distribuíram para pessoas que não precisavam. Os alimentos e roupas não foram distribuídos pela CHISBEL – Ela só dá veneno e polícia para favelado .

A LBA ainda não veio aqui, sendo que existem mães que não alimentam seus filhos direito por falta de recursos.


DEPOIMENTO DE UMA FLAGELADA

No dia da enchente, eu tava trabalhando na AÇOMINAS e quando cheguei lá pelas 23 horas, uma menina veio correndo atrás de mim porque ela já sabia que mais em baixo não dava para passar mais por quanto da água. Todo mundo já tinha saído e tinham levado as coisas para o campo lá em cima. Fiquei desesperada. A menina me levou pra onde a minha menina e minhas coisas estavam. Um vizinho tinte levado ela para a casa dele. Eu fiquei muito chateada. Fui na CHISBEL e eles falaram que iam dar alguma coisa pra gente. Eles me deram já gorjeta, mas aí eu já não estava agüentando mais andar, juntou o susto com tudo e eu ainda sem lugar pra ficar. Eu queria totalmente que eles me desse um cômodo pra mim ficar com as minhas meninas. Eles não deram. Aqui morreu um rapaz mais em cima, não sei bem a idade dele, mas acho que não tinha 22 anos. Acharam o corpo só lá no Caetano Furquinho depois de 3 dias. A mãe dele e eu tivemos que ser internadas pelo mesmo motivo, ficamos desesperadas. Então como eu ia falando a ação da CHISBEL, eles me deram um cartão, mas então eu não pude voltar lá porque eu tive que ser internada. E sem lugar de ficar agora estou e não posso trabalhar para alimentar nem nada e esperando aí, nem posso ir na CHISBEL porque as pessoas que foi na CHISBEL, colegas minhas, ontem mesmo desceram aqui chorando porque até hoje . . .

Prometeram que iam dar pra uma colega uma indenização pelo menos assim um lugar pra ela ficar. Justamente nós estamos aqui porque não tem lugar pra ficar. Pagar aluguel, quem tá trabalhando e tem condições paga, mas quem não está, como eu, nato dá, né? Minhas meninas tão com a i madrinha porque eu tinha que ir para o hospital e elas não tinham onde ficar. O médico não falou comigo o que é que eu tenho, só falou que eu nato posso parar o tratamento agora, que não posso pegar peso a mais de um quilo e nem costurar máquina a motor eu nato posso. Agora, estou sem condições até de alimentar porque já sai do hospital e nato tenho dinheiro pra comprar comida. Tenho só tomado soro que o médico me deu. Tamos esperando a decisão da CHISBEL, tenho até o cartãozinho guardado aqui. Ainda que eu saiba, não indenizaram ninguém. Inclusive a dona desse barraco, ofereceram pra ela 3.000,00 por quatro cômodos e ela não quis. Se ela aceitasse os 3.000,00,0 que que ela ia fazer com eles, ela não tem marido e se aceitasse o dinheiro tinha que sair daqui, e como é que ia construir outro barraco <x>m os três mil cruzeiros?

… O EMBELEZAMENTO E O ENGRANDECIMENTO DE BH, NÓS DEVEMOS AO FAVELADO, PORQUE O FAVELADO, SENÃO O DE BAIXA RENDA, É QUE É O PEDREIRO.

Autores:
Est. Arq. Anna Flávia Franco
Est. Arq. Ana Maria F. Saraiva
Arq. Ana Maria Schmidt
Arq. Herbert J. Teixeira
Est. Arq. Gina Beatriz Rezende
Arq. José Márcio de L. Franco
Arq. José Roberto G. Ferreira
Arq. Jupira Mendonça
Arq. Laudelina Garcia
Eng. Sanit. Marco Aurélio L. Gomes
Arq. Reinaldo G. Machado
Arq. Yara Marques
Coordenação dos textos:
Arq. José Eduardo Ferolla
Arq.. Ronaldo Masotti


PLANO AUTO-CONSTRUÇAO A BAIXO CUSTO (SOLO – CIMENTO)

José Carlos Laender de Castro, arquiteto.
 
Com os interesses econômicos e políticos ligados â constante expansão e desenvolvimento das cidades mineiras pode-se apresentar alternativas para encontrar pelo menos algumas soluções parciais para os problemas mais urgentes que atingiram as cidades com estas enchentes. Se não forem estabelecidos agora planos mais amplos e ambiciosos, elas sofrerão graves problemas de ordem social como desemprego por carência de habitação e serviços públicos (água, luz, esgoto) tudo isto posto á mostra durante as inundações de Janeiro/Fevereiro.

Não podemos permitir um plano habitacional paternalista dando tudo ao flagelado sem a mínima participação dele; aí o plano estará fadado ao fracasso, pois não foi aceito e assumido por eles.

Não podemos simplesmente doar terreno nem casa-embrião, senão estaremos fortalecendo o fluxo migratório de toda a região em busca de solução habitacional nas cidades maiores, e seria um caos em termos do desenvolvimento urbano do Estado.

O que se pretende é integrar os flagelados nas comunidades, dando a eles oportunidade de produzirem e se integrarem nesta mesma comunidade.

O problema habitacional não pode ser isolado do contexto da problemática urbana. Não basta dar casa própria se ao morador desta casa vai faltar água, luz, esgoto, transportes, meio de comunicação, saúde, educação, abastecimento satisfatório de alimentos e outros bens essenciais, além de recreação e oportunidade de trabalho.

PLANO HABITACIONAL DE EMERGÊNCIA

As últimas inundações ocorridas deixaram saldo de centenas de milhares de desabrigados em todo o Estado de Minas Gerais, particularmente em Teófilo Otoni, pólo regional dos Vales do Mucuri, Médio Jequitinhonha e São Mateus, captadora de migração dos flagelados da região em busca de melhores condições de vida. Na área de influência de Teófilo Otoni temos as cidades de Águas Formosas, Águas Vermelhas, Almenara, André Fernandes, Araçuaí, Atalaia Bandeira, Berilo, Campanário, Caraí, Comercinho, Coronel Murta, Felisburgo, Francisco Badaró, Frei Gaspar, Itaipé, Itambacuri, Itaobim, Itinga, Jacinto, Jequitinhonha, Joaima, Jordânia, Ladainha, Malacacheta, Medina, Nova Módica, Novo Cruzeiro, Curo Verde de Minas, Padre Paraíso, Pavão, Pedra Azul, Pescador, Pote, Rubim, Salto da Divisa, Santa Maria do Salto, Santo Antônio Jacinto, São José do Divino, Virgem da Lapa, etc.

Cerca de 2.000 flagelados vindos da região estão abrigados nos Galpões do Parque de Exposições na Pampulhinha em situação de miséria absoluta, isto é , sem casa para morar, sem comida, dinheiro ou trabalho. O planejamento de uma solução para problemas desta natureza depende fundamentalmente de ação comunitária do povo de Teófilo Otoni e ação cooperativista deles mesmos, isto é, o plano habitacional inclui não somente a urbanização da área do antigo Seminário da Vila Barreiros (Mitra Diocesana) mas fundamentalmente a criação de Cooperativa de ajuda mútua para construção dos embriões-sanitários (sala/quarto-cozinha/l .S. -2 cômodos) que serão aumentados posteriormente ainda no sistema mutirão, obedecendo â uma diretriz técnica (planta básica do PROFAC). O Conjunto Habitacional conta com cooperativa de materiais de construção que fornecerá aos cooperados para construir com suas famílias ou seus amigos o embrião-sanitário. Cabe â Prefeitura Municipal de Teófilo Otoni, através do Prefeito Wander Lister, a parte da infra-estrutura urbana do local (arruamentos, água, luz, esgoto) e a máquina de fazer tijolos de solo-cimento. Teremos de pensar, também, no sério problema de que deve-se criar alternativas de absorção da mão de obra ociosa (pessoal de origem rural sem ofício qualificado), implantando-se cooperativa de hortigranjeiros (em convênio com o BNCC – Secretaria de Agricultura), cooperativa de artesanato de madeira, couro, argila, etc. (em convênio com a Secretaria do Trabalho) e uma lavanderia coletiva para ocupação de mão de obra feminina, (PRODECOM).

Inicialmente propõe-se que a própria casa existente seja transformada em Centro Social Religioso da Comunidade em formação. Será local de reuniões, escola, culto e discussões dos problemas surgidos nesta nova comunidade teofilotonense.

Tudo isto significa uma idéia-base levada e discutida democraticamente com a comunidade dos flagelados, pois serão eles que definirão finalmente o melhor e mais importante. A participação deles tornará viável o plano, na medida em que se fizerem presentes com força de trabalho e definições necessárias.

PROFACIPROGRAMA DE FORMAÇÃO E ASSISTÊNCIA A COMUNIDADE

Criou-se o PROFAC T.O. para coordenar a ação comunitária na orientação da execução dos projetos do loteamento e execução das plantas das casas no sistema solo-cimento, além de ajudar com a venda de materiais de construção em condições especiais, assim como orientar os pré-moldados de cimento.

A Prefeitura Municipal, através de subvenções realiza a infra-estrutura urbana (trator para abrir ruas, topógrafo para realizar o levantamento topográfico, além do fornecimento de água, luz, esgoto, etc.). O projeto experimental mutirão que a PROFAC. T.O executa em Teófilo Otoni no Bairro Vila Barreiros, além de atender a 300 famílias flageladas destas últimas chuvas com renda mensal familiar de 0,5 a 2,0 salários mínimos regionais, permite a avaliação dos custos do processo e sua aplicação de maneira intensiva como solução para barateamento da construção de habitação popular.

O PLANO prevê um Conjunto Habitacional de 161 casas individuais em lotes de 200m2 (10×20) com 2 ruas de penetração de veículos dando acesso futuramente ao novo Conjunto Habitacional localizado a “posteriore”. As outras ruas são vias de pedestres convergentes para o Centro Comunitário cuja largura é suficiente para, em casos de emergência, poder entrar ambulância, caminhões de mudança, carro funerário, etc.

PARTICIPAÇÃO COMUNITÁRIA

Quando o PROFAC T.O selecionou os flagelados que estão alojados no Parque de Exposições Agro-Pecuária da Pampulhinha em Teófilo Otoni para participarem do projeto experimental mutirão (ajuda mútua ou auto-ajuda), levou em conta que a grande maioria é proveniente do meio rural e que 40 por cento é constituído de mães solteiras cuja atividade é prostituta – lavadeira ou lavadeira-prostituta, com o número de dependentes variando de 4 a 7 e renda familiar entre 0,5 a 2,0 salários mínimos regionais.

Pesquisou-se na comunidade flagelada o tipo de habitação que ela morava e que tipo gostaria de ter, com desenhos elaborados por eles mesmos, constatando um baixíssimo nível de aspiração. Normalmente, moravam em barracos de 1 a 3 cômodos sempre com a fossa, e gostariam de morar em casa também de 3 cômodos com privada acessível por fora da casa (devido ao mau cheiro, moscas e falta de costume de usar vaso sanitário). Foi discutido e decidido por eles a sua participação no sistema mutirão de construção das casas em grupos de 10 famílias/10 casas e sua contribuição com o capital-trabalho que será contabilizado pelo PROFAC T.O.

MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO

Em Minas um dos grandes problemas da construção de baixa renda é o preço do terreno B a qualidade do material de construção. A madeira é rara e cara, sendo substituída por aglomerados de chapa de madeira ou mesmo por concreto, pois cimento não falta em Minas (major Parque Cimenteiro do País). As paredes de alvenaria são normalmente feitas de tijolos de barro, por isso a demanda deste tipo será muito grande. Atualmente usa-se tijolos prensa¬dos de cimento (blocos de concreto) afim de economizar tempo e mão de obra, além de serem facilmente executados no próprio canteiro de obra.

A intenção do governo estadual em delegar ás grandes empresas construtoras a execução dos grandes núcleos habitacionais em Minas não é a solução, pois elas não estão preocupadas com o mutuário final, e sim com a lucratividade que toda empresa almeja. Assim, a grande firma de construção sub-empreita para a empresa média que sub-empreita para a pequena que sub-empreita para o mestre de obras e deste para os pedreiros., Porque não vamos então diretamente às pequenas empresas e mestres de obras que conjuntamente com os pedreiros façam casas populares com mão de obra e custos operacionais e administrativos mais baratos??.’ Empregar-se-ia a semi-prefabricação como lajes pré-fabricadas, blocos de cimento pré-moldados, etc. que aceleram a construção das casas populares, barateando em parte seu custo final. Atualmente o custo da laje e tijolos semi-industrializados é alto devido ao preço dos transportes. Os custos atuais das COHAB’S e INOCCOP’S giram em torno de Cr$3.000,00/ m2 e Cr$3.800,00/m2 e no sistema mutirão (ajuda mútua ou auto-ajuda) baixa para Cr$800,00/m2.

O plano de placas de solo cimento moldadas na própria obra, além de proporcionar a participação de toda a família e conseqüentemente toda a comunidade, aproveita enormemente o material local mais disponível: a terra. A terra misturada ao cimento (solo-cimento) dando condições de barateamento do custo da construção de casas populares não é uma solução nova, embora nunca usada pelas grandes firmas. Mas o que se pretende realmente é buscar um modelo ou tipo de construção que não somente atenda, mas satisfaça a todas as necessidades de uma população carente e que também possa ser produzida em série.

TECNOLOGIA DE SOLO-CIMENTO

Como o processo de solo-cimento é muito simples, foram selecionados alguns pedreiros, carpinteiros, eletricistas, encanadores, serventes, etc. para executarem o serviço mais técnico, como pilares de concreto armado, alicerces, cinta de amarração, locação das casas, cobertura, parte elétrica e hidráulica, etc. O restante é jogar solo-cimento (pré-misturado) nas formas de madeira e depois socar bastante (apiloar) com soquetes ou pilão (trabalho realizado pelas mulheres, velhos, meninos e até mesmo crianças).

Além disto, houve um treinamento prévio com uma casa piloto que foi construída na obra para efeito de testes e análises. Acompanhamento e avaliação dos custos das obras estão sendo realizados pelo eng. Aventino Jorge Magalhães do PROFAC T.O, inclusive com documentários em Slides dos resultados obtidos em cada fase do programa. Levantamento do PROFAC T.O conclui que a prestação a ser paga pelos flagelados após conclusão dos imóveis será cerca de Cr$100,00 a Cr$200,00 (1/5 do salário-família) inferior ao mais baixo dos aluguéis por eles pagos atualmente. Há casos de flagelados que chegaram a pagar Cr$500,00/mensais por aluguel de um barraco de 3 cômodos ou simplesmente pagavam ao proprietário da terra o direito de construir seu barraco. (Cr$100.00/mensal até Cr$20,00/mês)

A preços atuais, cada uma das 300 unidades habitacionais que estão sendo construídas em Teófilo Otoni pelo processo de auto-ajuda (mutirão) com tecnologia de construção em solo-cimento ficará muito abaixo do custo final de m2, de padrão igual construída pelo processo convencional. Com o sistema mutirão e com tecnologia de solo-cimento (tijolos ou placas) estes sistemas de construção poderão constituir-se em um dos instrumentos mais eficazes de dinamização de habitação popular.

A partir dos resultados obtidos com o projeto experimental mutirão solo-cimento pretende-se estender a utilização deste processo a todas as áreas carentes de habitação popular no Estado.

DIREITO DE PROPRIEDADE

O terreno pertencia originalmente à Diocese de Teófilo Otoni. A proposta seria uma doação da Diocese à Associação Comunitária de base que, através da instituição do Direito Real da Habitação, garantiria o direito de morar aos flagelados construtores das casas. Cláusulas resolutivas seriam incluídas na doação, para garantir à Diocese que a finalidade do empreendimento seria cumprida e para garantir aos moradores o direito de permanecer na casa enquanto precisassem dela. Constatou-se em reunião com os flagelados que, com o direito de propriedade plena, elas seriam tentados a vender a casa na primeira e tentadora proposta em dinheiro que se apresentasse e voltariam a morar no antigo local onde o barraco ruiu com as chuvas, ficariam sujeitos a que nova tragédia se repetisse.

(Assessoria Jurídica de Hila Flávia M.Teodoro)


CONCLUSÃO

A solução de mutirão utilizando solo-cimento não é nova, mas com esta experiência -piloto de Teófilo Otoni, novas comunidades ganharão idênticas soluções, dando novas características urbanas ás cidades.

Mas temos consciência de que experiências como estas, isoladas, não serão suficientes para equacionar o grave problema da organização do espaço urbano nas nossas cidades


Lenha: A crise de energia do pobre.

Texto: Maurício Andrés
Ilustrações: Claudio Martins

>> acesse através das imagens na primeira página [aqui]


ALTERNATIVA PARA O APROVEITAMENTO INTEGRADO DO ESPAÇO NATURAL

MAURICIO ANDRÉS RIBEIRO, arquiteto

Como organizar o espaço de uma sociedade mais conservativo de energia? Esta é uma das grandes questões e desafios que a crise de energia coloca diante dos planejadores.
 
Alguns assentamentos humanos oferecem exemplos notáveis de como adequada organização do espaço pode evitar desperdícios de energia e contribuir â proteção do meio ambiente, explorando bem as possibilidades de complementação entre áreas urbanas e rurais.

As aldeias indianas têm sido consideradas como das mais eficientes. Sua estrutura básica, definida no passado, continua ainda muito semelhante. Compõe-se de um grupamento de casas circundado por terras agrícolas, de forma tal que as distâncias podem ser percorridas a pé ou em carros de boi. Evita-se, assim, o transporte mecânico e mesmo cavalos são considerados luxo, já que competem com a população humana pela terra existente para produzir alimentos. No que se refere á habitação, muitas de suas funções são desempenhadas ao ar livre, diminuindo o espaço construído; há uma relação simbiótica entre homem e gado, que é alimentado à tardinha, posto para dentro de pátios â noite, produzindo aí esterco que é recolhido pela manhã e utilizado como adubo nos campos.

Diversos aspectos ligados ao estilo de vida – desde hábitos alimentares vegetarianos, proteção â vaca, mobiliário reduzido das casas, até o uso intensivo do corpo, reduzindo a necessidade de objetos – têm também sua expressão espacial e contribuem para a eficiência das aldeias.


 
APROVEITAMENTO PREDATÓRIO

A terra no Brasil ainda não é bem muito escasso. Comparando, porém, com países mais densos e bem menores, ela vem sendo utilizada e comprometida de forma muito predatória. Tanto por parte do poder público quanto da iniciativa privada. Milhares de quilômetros quadrados de nosso território anualmente transformam-se em loteamentos, grande parte solo potencialmente agricultável. Perde-se riqueza incalculável, dificilmente recuperável, dada a pequena possibilidade de reversão do uso urbano para novamente campo.

Embora hoje seja mais proveitoso para o proprietário de terras no entorno das cidades, loteá-las que mantê-las com uso rural, impõe-se a longo prazo sua proteção para que se aproveite de forma socialmente mais desejável o potencial de riquezas que o solo oferece. Para se ter uma idéia dos prejuízos que um país sofre por falta de uma política adequada de uso do solo, pode-se mencionar o caso do Egito, onde estimativas mostram que a quantidade de terras tornadas agricultáveis pela construção da represa de Assua é muito menor do que a quantidade de terras agrícolas sacrificadas pelo crescimento desordenado do Cairo.
No Brasil, a conservação e proteção dos solos potencialmente agricultáveis existentes na periferia das áreas urbanas apresentaria, entre outras, vantagens de minimizar custos de transportes e combustível para abastecimento das cidades, preservar e proteger para as gerações futuras a riqueza contida no solo agricultável, contribuir para diminuir o consumo de fertilizantes, grande parte importados, contribuir para baixar o custo dos alimentos, todos estes efeitos com caráter nitidamente antiinflacionário.


Foto – Campos de arroz para auto-consumo em Kenchenkuppe, Índia, circundam o núcleo habitado da aldeia.
Junto ao Instituto Agronômico, no Horto, encontra-se um raro exemplo de terra agricultável dentro da cidade. Até quando ela resistirá às pressões para a ocupação urbana?
 

ESTUDOS EXISTENTES

Embora venham de longa data as utopias urbanísticas e os modelos que incorporam a perspectiva de integração rural e urbana – e podem-se citar as cidades jardim de E.Howard, ou as idéias de Frank Lloyd Wright – é muito recente esta preocupação no que se refere a organizar as áreas de descontinuidade e as zonas verdes dentro de regiões urbanas.

Na França, por exemplo, somente em 1973 apareceu, num texto oficial, a indicação da necessidade de uma ação coerente a respeito, Um trabalho técnico pioneiro sobre o assunto foi produzido para a região de Paris e as considerações ambientais aí introduzidas visam assegurar a produção agrícola, melhorar o quadro de vida rural, assegurar a gestão natural dos recursos biológicos e permitir a constituição de reservas naturais a longo prazo.

Afirma-se neste estudo que o futuro das zonas agrícolas peri-urbanas é precário, devido às pressões imobiliárias, e que a ausência de um estatuto jurídico próprio e a insuficiência de meios de ação sobre a estrutura fundiária, são os grandes impedimentos à formulação de política efetiva conservando aí a atividade agrícola.

Na região metropolitana de Belo Horizonte, a consciência da importância destes problemas já começa a se formular: veja-se como exemplo o editorial, “Terras Ociosas”, do Estado de Minas em 27.04.79, chamando atenção para a necessidade de se tomarem medidas de estímulo e compensações no sentido de induzir os donos de terrenos à produção, proteger o consumidor e comercializar adequadamente os produtos.

O controle da expansão urbana seria apenas um primeiro passo para uso mais adequado dos recursos do solo, mas um passo fundamental, já que garante a proteção deste recurso. Um relatório do Plambel, “O Setor Primário na RMBH”, de novembro de 1977, afirma que a ocupação desordenada do solo absorve a terra rural com prejuízos para as atividades do setor primário, sem condições de concorrer de forma eficaz com as atividades urbanas.

A unidade de venda de terras urbanas é o m2, ao passo que para terras rurais é o hectare ou alqueire, e o diferencial de preços entre elas é muito grande. O relatório afirma ainda encontrarem-se “em fase de maturação ações com a finalidade de intervir preventivamente na utilização do solo rural da região”, visando dinamizar o setor primário para aumentar a sua participação no abastecimento da região e constituir-se num dos mecanismos de controle do processo de expansão urbana, chegando a sugerir criação de gado leiteiro, olericultura, fruticultura e criação de pequenos animais, além de reflorestamento.

SUGESTÕES PARA PROTEÇÃO

Em Minas Gerais não é apenas na região metropolitana de Belo Horizonte que o problema se apresenta, mas também nas periferias de todas as cidades de porte médio e grande. Políticas para o bom uso e proteção dos solos em áreas peri-urbanas seriam adequadas se formuladas á nível estadual, e pode-se aventar algumas hipóteses de como concretizar estas políticas.

Primeiro não teria sentido reservar para usos rurais um percentual das terras de cada município sem considerar o seu potencial de uso. Interessaria proteger aqueles solos mais próprios para a agricultura, com fertilidade, disponibilidade de água e oxigênio, pouca suscetibilidade à erosão e facilidade de mecanização.

Desta forma, a interpretação dos levantamentos de solos agrícolas seria um critério básico para protegê-los. Um sistema para avaliar-se a aptidão agrícola das terras foi proposto em 1978 pela Embrapa- Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – e nele se definem 6 grupos e as conseqüentes alternativas de uso conforme quadro em anexo.

Proteger as áreas aptas para lavoura, de forma diferenciada, através de restrições ao seu parcelamento, medidas tributárias, estímulos ou incentivos à sua utilização agrícola, podem ser convenientes se considera a perspectiva ao longo prazo de conservação de energia, auto-suficiência e utilização dos recursos locais.

A implementação destas medidas de proteção depende inicialmente, da classificação dos solos. Como um levantamento sistemático do potencial agrícola das terras é muito caro e, por isso, fora do alcance da maioria das prefeituras, uma possibilidade seria a instituição de sistema adequado de licenciamento para cada caso.

Este sistema incluiria pareceres técnicos sobre a aptidão de terras, indicando as condições para se aprovar ou não o parcelamento urbano de glebas. Tal parecer poderia ser elaborado por técnico credenciado, da Epamig, por exemplo. Legislação estadual básica e coordenação das várias instituições a serem envolvidas neste processo de licenciamento – órgãos de planejamento urbano, prefeitura, secretarias de agricultura, agência de proteção ambiental – seriam alguns pré-requisitos para se formular e montar este sistema de proteção, cujos resultados seriam altamente positivos e benéficos para a coletividade.


ARQUITETURA EMERGENTE

Este mês os emergentes estão submersos nas trevas das provas, trabalhos práticos, exames finais, especiais, um típico fim de semestre universitário. Conhecemos também o sufoco desse mar de angústia e compreendemos o sumiço deles, mas navegar é preciso, e como estímulo, publicaremos aqui o discurso do Prof. Rodrigo de Andrade Ferreira, paraninfando os arquitetos de 78.

Pode parecer estranho que eu esteja escrevendo esta carta quando o vosso barco ainda nem desatracou.

Acontece que me sinto, como uma árvore pequena, carregado de emoção e perplexidade, frutos maiores do que consigo carregar sem esta inofensiva fantasia. O primeiro vem de ter esta homenagem me pego o coração desprevenido, o segundo, da imensa responsabilidade de dizer coisas que possam ter alguma serventia na tessitura do roteiro de viagem.

Nos embarques de verdade, repetimos múltiplos recados de última hora, para que permaneçam colados na lembrança de quem vai, por terem sido ditos em situação de limite. Aqui também, não havendo grandes revelações a fazer, tentemos tirar partido dessa condição. Não quero apenas espargir sobre a festa, palavras que a enfeitem da mesma forma efêmera que tiras de papel colorido. Pelo contrário, gostaria de lhes dizer algo que tivesse algum parentesco com instrumento de navegação, com ferramenta de trabalho, com arma ou na pior das hipóteses, com um espinho que fira se a botina estiver muito larga e a sombra fresca.

Antes, portanto do regozijo de um dever apenas cumprido, á bom lembrar que essa nave se parece bastante a uma galeria, com o bojo denso de operários que a fazem e os mais sombrios repartimentos ainda entulhados de todos os tipos de marginais, inclusive os que formam o coro dos descontentes.

É duro talvez o ruído destas palavras, mas não pretendo que seja amargo e muito menos desesperançoso.

Apenas não tenho porque assumir agora atitude magistral, indicando rotas mais seguras ou perigos a evitar, se tenho nítida a noção de que é exatamente a consciência das mesmas dúvidas que nos tornou o diálogo tão irmão. Os problemas a enfrentar são os mesmos que oprimem a todos, sejam novos arquitetos, experientes metalúrgicos ou antigos cidadãos.

Não há nem segredos, nem regras a ensinar, salvo que é proibido adormecer ou deixar que as coisas aconteçam sem assumir a cidadania integral, que a consciência de uma forma ou de outra sempre nos propõe.

SER CONTRA OU A FAVOR
Daí quero dizer com isso que enquanto arrumaram malas, durante este 5 anos, estiveram sem pensar.

Mas o ARBÍTRIO destes últimos tempos nos deixou muito poucas opções: entre a apatia de uma universidade subjugada e a repressão violenta; entre a censura dos meios de comunicação e a euforia acrílica dos programas de TV; entre os altos índices de um desenvolvimento fictício e o fictício desenvolvimento dos índices salariais. Depois de tanto tempo de silêncio é normal que tenhamos a bagagem contaminada. Se o tempo começa abrir, todavia, é sempre possível se aliviar do excesso de peso, substituindo o volume oco por pedras de maior consistência. Haverá, por exemplo, outras oportunidades de discutir sobre a carência de métodos em atual arquitetura, sobre ser uma profissão de formação muito pouco teórica em detrimento de uma prática quase inexistente, sobre ser muito mais fundada em valores de época que em bases científicas. Mas isso não é fundamental agora.

Não tem sentido discutirmos a arquitetura em si, o urbanismo em si, o arquiteto em si. Sob este aspecto, custa-me admitir, nós hoje ficamos prontos.

Mas prontos, custa-me mais ainda, com as qualidades e deficiências que a sociedade atual tem condições e desejo de consumir. Consumir em sentido lato, começando pelo traço, passando pelo braço, pelo baço, chegando à RAZÃO.

Não é ato a que se busca, cada vez mais, preparar o técnico neutro para a resposta ao problema específico e não a pessoa capaz de refletir sobre as questões amplas envolvendo espaço e sociedade.

Não é ato a que todos os caminhos estão institucionalizados para a proteção corporativista do mercado de trabalho existente, mas nos impedem, e a todos os demais profissionais, de pensar a política como responsabilidade também nossa. O fundamental é agora estar atento para compreender a situação e o tempo presentes e a nossa posição com relação a eles. Tempos, por assim dizer, que acordar de duas noites dormidas simultaneamente: uma geral, que obscureceu o país há mais de quinze anos, não nos deixando perceber que fazemos parte de uma sociedade doente, a outra que afeta mais ao arquiteto, que de tanto trabalhar a forma dos objetos, a forma das casas, a forma das cidades acaba quase por acreditar, que através de alterá-las, possa corrigir as patologias das estruturas sócio políticas que as determinam.

é preciso acordar dos pesadelos,,de sermos alheios e humildes cidadãos de segunda classe, de sermos uma categoria profissional que se externa a trabalhar apenas a aparência dos objetos, que vê sua audiência sempre restrita e sua autoridade posta em dúvida.

É preciso acordar da confortável ILUSÂO de podermos ser ao mesmo tempo PROFISSIONAIS CORRETOS e CIDADÃOS INCONSCIENTES. Acima de tudo é preciso estar disposto a trocar sempre a certeza da mão por dúvidas voando. Me dêem a certeza de que a Universidade é uma instituição produtora de conhecimento e eu lhes devolvo a dúvida de que é muito mais a reprodutora da ideologia oficial. Me dêem a certeza de que a técnica é neutra e eu duvido se não está a serviço do capital em sua tarefa de consolidar a dominação social. Me dêem a certeza de que todos os problemas sociais são “desajustes” inevitáveis do desenvolvimento e eu lhes devolvo a dúvida de . que toda crítica contenha apenas subversão e ideologias estrangeiras.

Me dêem a certeza de excelentes planos urbanos e eu lhes devolvo o duvidoso futuro das cidades acorrentadas à propriedade privada. Me dêem a certeza de que o projeto é um trabalho de síntese e eu duvido que esta síntese seja possível antes da análise e crítica profundas dos fatores envolvidos. Me dêem a certeza de que os principais obstáculos ao desempenho da profissão são conseqüência das imperfeições da sociedade e eu lhes devolvo    a dúvida de que algo essencial possa mudar sem que câmbios de natureza estrutural sejam obtidos antes. Me dêem a certeza de realizações do BNH e eu duvido que seu objetivo principal não seja a dinamização da indústria da construção, o comprometimento do mutuário, a redução de sua mobilidade e poder de barganha. Me dêem a certeza da qualidade da arquitetura atual e eu lhes contesto com a dúvida de que se é desta arquitetura que a sociedade necessita. O novelo poderia ser enorme, mas já há fio suficiente com que tecer velas de viajar. A essência do recado está dada : é estar ATENTO E FORTE. Sobretudo não se deixar abater desânimo pela distância muita a percorrer. Fazer o que puder, que de todo modo a HISTÓRIA nunca vai estar pronta. Caras e Caras Corações e mentes.

Por mais procura que fizesse, não consegui descobrir outro segredo que valesse mais à pena, nesta data densa de sentidos. Nenhuma mágica a tirar do bolso. Nenhuma carta da manga. Nenhum coelho, nem cartola tenho. Há mais de 10 anos, em ocasião semelhante, perguntava a meus amigos se deveríamos dizer palavras de fim ou de princípio. Hoje estou convencido de que o que começa é sempre muito mais importante do que o que fica incorporado ao território da memória. Além disso os finais não exigem palavras.Mesmo d adeus mais corriqueiro pode ficar patético.

Para os amigos a porta fica apenas recostada. Mandem notícias e recebam beijos do amigo Rodrigo

ESCOLA DE ARQUITETURA DA UFMG 9 DE MARÇO DE 79


PANORAMA

GERAL

Agradecimentos – Informador das Construções, IAB-MG e VÃO LIVRE agradecem àqueles que colaboraram com a festa de lançamento de VÂO LIVRE : Cia. Alterosa de Cervejas, Bar e Restaurante Panorama, Banda de Cachoeira do Campo, Cabo Júlio, Antônio, Paulo e Alcebíades.

Vão Livre

Próximo número – Devido às férias e a dificuldade de contato nesse período, estaremos aliviando o número dois para matéria mais visual no tema central, que versará sobre a arquitetura do abastecimento. Já contamos com os três mercados distritais de BH, e aguardamos contribuição dos colegas que queiram enriquecer o assunto. Pedimos plantas, cortes e demais desenhos que permitam redução em traço ou retícula, fotos em papel brilhante, além das justificativas e proposta para o problema.

Vão Livre

IAB no Espírito Santo – O VÃO LIVRE deseja manter entendimentos com os colegas deste estado para divulgar trabalhos, idéias e propostas. Esperamos com isto manter maior contato e comunicação entre a classe.

Vão Livre

Aos colegas – Vão Livre não é, repetimos, o trabalho de uma minoria no IAB. A prova disso é esse número um já resultado de contribuições de novos colaboradores. Vocês, que tanto tempo ficaram calados, não acreditamos nada terem a dizer. Colaborem,  enviem cartas, critiquem os números já publicados, ajudem os que estão aqui pegando no duro todo mês a não perder fôlego e ritmo.

Vão Livre

Vade retro, Adolpho – A Construtora Adolpho Lindemberg entrou com o pedido de concordata, no dia 29/6/79, na 219 Vara Cível.

Álvaro Hardy

LOCAL

Exposição no Palácio das Artes
– De 12 de julho a 7 de agosto acontecerá em BH o VII Salão Global cujo tema será uma amostragem da arte mineira. Haverá três salas:

1- Mestres Barrocos, com obras autênticas de Aleijadinho, Ataíde e outros.
2- Premiados dos Salões Anteriores
3- Artistas convidados: Maria Helena Andrés, Sara A’Villa, Lotus Lobo, Roberto Gil, Paulo Laender.

Na foto escultura de Paulo Laender.

Escultura Paulo Laender
Vão Livre

Patrimônio

Um mau exemplo – O deplorável exemplo que a cidade de Bocaiúva acaba de dar, demolindo um monumento religioso do período colonial é de fazer estarrecer até mesmo as pessoas afastadas de qualquer preocupação direta com os assuntos de Patrimônio Histórico e Artístico.

O fato de a população envolvida descarregar seu descontentamento nos órgãos federal e estadual responsáveis pela conservação do patrimônio, acusando-os de total desinteresse não justifica nem pode explicar o que ocorreu.

Era hora de o povo ferido juntar-se em um só esforço e levantar seus próprios recursos para a completa restauração do imóvel.

Por que só os Patrimônios Federal e Estadual é que 1 teriam que assumir o trabalho? Por que não a própria paróquia e a diocese? Onde está a comunidade que agora grita pelo precioso bem perdido?

E a nova igreja que está sendo erguida no local da demolida? Os recursos para sua construção não estariam melhor aplicados na restauração do templo antigo?

Minas Gerais é o Estado brasileiro que mais bens culturais ou bens de patrimônio histórico e artístico possui. Nós temos pelo menos 15 cidades históricas e milhares de monumentos a serem preservados. Já não é tempo de uma conscientização maior de todas as populações envolvidas de que preservação é o imperativo de todas as comunidades onde se localizam os bens e não uma simples obrigação legal de órgãos oficiais?

Eduardo Roberto Tagliaferri
 

GERAL    

Manifesto do Rio Negro – Da recente apresentação do Manifesto do Rio Negro apresentado em 3/7/79 em São Paulo, 4/7/79 em Brasília e 5/7/79 no Rio, vale apenas transcrever dois tópicos:

“A natureza para o homem de cidade é reduzida à atrofia de um jardim botânica”. Sepp Baendereck.

“Trata-se de lutar muito mais contra a poluição subjetiva que contra a poluição objetiva, a poluição dos sentidos e do cérebro, muito mais que a do ar ou a água”. Pierre Restany.

Éolo Maia


LOCAL

GAF I – Gomes de Almeida, Fernandes, consociado com uma empresa do grupo ao qual pertence a FIAT, incorpora edifício de salas na Av. Afonso Pena esquina com Guajajaras. O projeto arquitetônico original, autoria de Álvaro Hardy, foi encomendado em 1976 por grupo mineiro que, desistindo de participar do empreendimento abriu lugar à entrada na Praça da Gomes de Almeida Fernandes (GAF), fato ocorrido no primeiro semestre de 1979. Pode-se prever de antemão, o tremendo quebra-lanças em que se envolverá o arquiteto em defesa do seu projeto original.

Ronaldo Masotti


GAF 11
– “É preciso exorcizar o mito do mato”, é opinião de Carlos Moacyr Gomes de Almeida (reportagem POR ONDE ELES PASSAM . . . NÃO NASCE GRAMA, revista Homem, no. 28, novembro de 1977, Prêmio Nacional de Jornalismo em 1978) Alerta geral na cidade : que se cuidem Parque Municipal, adros de igrejas. Mata do Jambreiro, etc. . . .

Ronaldo Masotti

 
Esporte Clube Ginástico
– Aviso aos passantes: o projeto do ginásio coberto, ora em execução na Av. Afonso Pena não obedece ao projeto original de minha autoria.

Álvaro Hardy

Boca maldita – Panorama é o nosso “speakers corner”, nossa boca maldita. Aqui publicamos sua opinião, sua denúncia, sua sugestão, sua posição, sua curtição e também (por que não?) a sua burrice. Contribua da forma que lhe aprouver.

Vão Livre

Gorduras – Abaixo, foto de um feliz morador das gorduras, saltitando de felicidade depois de receber a sua moradia.

“Lay-out”, Éolo Maia.

ARTES     

Entrevista – No próximo número, VÂO LIVRE publicará uma ampla entrevista com o escultor Amílcar de Castro sobre a sua obra. Coincidirá com a inauguração da Bienal Internacional de São Paulo onde este escultor possui sala especial. Serão publicados diversos pensamentos e trabalhos deste artista, principalmente os últimos executados em Ouro Branco.

Éolo Maia

escultura
Escultura “O Passo”. Foto de A. Faria

LOCAL

Memória de BH
– Vão Livre está interessado em reunir documentação fotográfica de Belo Horizonte, de sua fundação à década dos 50. Quem puder ceder, ou emprestar para copiarmos, já agradecemos antecipadamente.

Vão Livre

Catálogo – A Açominas lançou o catálogo “Edifício de Andares Múltiplos para arquitetos. engenheiros e estudantes. Este catálogo, o primeiro de uma série, é destinado â difusão do uso da estrutura metálica no Brasil, com a utilização de perfis laminados.
Os interessados devem se dirigir â Av. Getúlio Vargas, 1420, 6o. andar, em BH Aproveite gente, que é de graça.

Vão Livre

A hora e a vez da “jóia brasileira” – “O Brasil embora seja um dos maiores, senão o maior produtor de pedras preciosas coradas do mundo, até hoje não conseguiu formar uma tradição no mercado internacional.

Existe, pois necessidade de informar àqueles que desconhecem as peculiaridades, problemas e dificuldades no setor, para que se programe uma regulamentação e organização do mercado de nossas pedras preciosas.

As pedras brasileiras até hoje têm representado lucro de alguns em detrimento de muitos e em prejuízo da nação. O setor regulamentado e organizado daria um atendimento social com a formação de técnicos e operários especializados para um mercado que inclui entre outras categorias profissionais: geólogos mineradores, garimpeiros, gemólogos, avaliadores, lapidários, pedristas, cravadores, ourives, gravadores, desenhistas, joalheiros, etc.; daria, também, uma garantia de investimento e atendimento não só à mineração e garimpo como às indústrias de lapidação, bijuteria e joalheria”.

Jorge N. Trindade, Est. de Minas 9/7/79 Para atender a tal demanda profissional somente a criação de uma escola ampla e seria. Onde artistas, artesãos, desenhistas e conhecedores em pedra e jóia nacionais trabalhassem com base em nossas tradições e sincretismos.na criação da “jóia brasileira” que, cremos, será tão autêntica, bela e original na sua expressão quanto surpreendente no seu valor.

Paulo Laender

NACIONAL

Tributo a Stanislaw Ponta Prata
– Cada vez mais prolífico o Febeapá. No Programa Abertura de 9/07, o Sr. Marco Carneiro, presidente da Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (, declarou que o rodoviário é o nosso transporte ideal , e mais, apoiando-se nas imensas dimensões de nosso país e sem desconsiderar a crise do petróleo . . .) É claro, não se acredita que pessoa ocupando cargo tão importante na economia e na política acredite nessa burrice. Afinal, foi na TV, e o que se viu foi um artista representando o sorridente onisciente, que deveria exigir seu cachê não só da NPI, mas também dos demais patrocinadores, como Shell, Ford, DER, etc. A Cesaro que é de Cesar, adeus ao que é de Deus . . .

José E. Ferolla


Espaço Cultural
– A Prefeitura de Curitiba, através de sua Fundação Cultural e contando com amplo apoio da Comunidade, bancos e empresas, vem de assumir a recuperação do edifício onde, durante 40 anos, funcionou a Confeitaria Schaffer. Tradicional ponto de encontro e lazer da comunidade, a Confeitaria e o prédio praticamente desapareceram em outubro do ano passado, consumidos pelo fogo. A idéia de restaurar esse marco do espaço cultural partiu de arquitetos locais, com proposta que vai além da destinação original do edifício: a Schaffer, lojas e escritórios. Assim, além da Confeitaria, uma ocupação marcadamente cultural: café-concerto, galeria de arte e locais para venda de livros, peças de artesanato, discos, “posters”. A inauguração será no ano em curso.

Em Belo Horizonte, carece de fundamento a notícia de que o Poder Público promoverá a restauração da Serra do Curral, talvez a única serra em todo o mundo que tem a primeira metade tombada pelo Patrimônio Histórico e a outra literalmente tombada por interesses não tanto históricos.

Ronaldo Masotti

LOCAL

Entornando o caldo – Bem recebida pela população o “pool” das empresas fornecedoras de concreto misturado, objetivando o aproveitamento do material excedente para auxiliar a Prefeitura na dinamização da OPERAÇÃO TAPA-BURACOS. Ocorre, entretanto, que os motoristas, talvez por falta de prática, não têm conseguido acertar os buracos e o lançamento da mistura é feito diretamente sobre as pistas de rolamento. Apesar do mérito da campanha, o problema vem se agravando na medida em que se acentua o aparecimento de saliências de concreto lado a lado com crateras. Seria mais profícuo e também iniciativa de amplo alcance social as empresas contratarem operários não especializados, com a missão de seguir os caminhões fornecedores e “varrer” o concreto entornado para os buracos.

Ronaldo Masotti

Engenho Nogueira x Catalão – O trevo construído em frente à nova sede da USIMINAS, por falta de complementação do projeto (faixas de segurança, placas direcionais, semáforos, etc. . . .) tem provocado inúmeros acidentes, só não causando ainda vítimas fatais. Quem é o responsável pela conclusão? A Prefeitura, o DETRAN, o Estado, o País, ou os motoristas e pedestres que se arriscam por ali? Quem acertar, erra.

Álvaro Hardy


Coordenação de Pesquisa
– A coordenação de pesquisa de Vão Livre está recebendo, para publicação na revista, artigos sobre pesquisas em andamento relacionadas com assuntos de interesse para os arquitetos. Incluem-se aí pesquisas tecnológicas, de processos e materiais, propostas de pesquisas de interesse, projetos utópicos ou conceituais; propostas de aproveitamento de áreas ociosas ou edificações com uso obsoleto; pesquisas de caráter histórico. Projetos antigos. Aceitam-se propostas e projetos em todas as áreas – design, urbanismo, meio ambiente, programação visual, decoração, arquitetura, técnicas e processos construtivos, etc. que tenham vinculações com o tema – homem, arquitetura, meio ambiente.

Vão Livre

Ex. Jardim Bueno Brandão – Quem sabe onde está o antigo Jardim, construído em estrutura metálica, doado pelo rei da Bélgica, em 1914, demolido por volta de 1 964 para dar lugar ao atual?

Álvaro Hardy


LOCAL

Poluição junto ao Shopping Center – os moradores do bairro Novo Sion – Santa Lúcia, que se situa na confluência da Av. Raja Gabaglia com o trevo de Nova Lima, em frente ao Shopping Center, entraram na justiça com uma ação de defesa do meio ambiente contra a presença poluidora de uma usina de asfalto que ali mantém a Gama Construtora. Ao que se propala a família Guimarães, proprietária dos terrenos, estaria, também, acionando a mesma organização por ocupação não autorizada, vale dizer, por invasão de seus terrenos. Mas lá está a usina fumegando e poluindo, ás vezes noite e dia e até aos domingos – contra o que estatue a Lei | de Uso do Solo, contra o que preceituam o Plambel e a Prefeitura, contra a Justiça e a Propriedade e, o que é o mais grave em tudo isso – contra a saúde de todo um bairro.
 
Desenho Éolo Maia

NACIONAL

Energia I – O tema “Energia” terá papel importante nas questões de arquitetura e urbanismo ora em diante, podendo ser abordado de várias formas: conservação de energia em edificações ou cidades existentes, criação de novos projetos conservativos de energia, produção e exploração de fontes renováveis pelo balanço energético de uma edificação ou cidade, É um assunto complexo: um balanço energético, por exemplo, inclui a energia despendida desde a extração da matéria prima, seu transporte e transformação, produção e transporte dos materiais de construção, construção propriamente dita e sua operação, manutenção e demolição. Um currículo e um programa escolar atualizados que incluíssem prioritariamente este tema permitindo, desde sua formação básica, que arquitetos e urbanistas se familiarizassem e projetassem considerando os aspectos energéticos de suas criações. Isto se aplica tanto â atividade de projetar, quanto à legislação urbana planos de uso do solo e códigos de obras, que muito se enriqueceriam ao incorporar esse aspecto entre suas considerações prioritárias.

Maurício Andrés


Energia II
– Um aspecto para o qual Vão Livre deverá dedicar atenção permanente é o da relação entre a atividade criadora do arquiteto e o problema atual da energia. Sabe-se que a melhoria dos desenhos de habitações, o uso adequado dos materiais e da orientação dos prédios e outros recursos arquitetônicos podem reduzir substancialmente o consumo de energia de uma edificação. Assim também no zoneamento de uso do solo, no código de obras, no desenho do sistema urbano e na sua integração com o espaço rural residem formas eficazes de se conceber projetos urbanos conservativos de energia, autônomos, reduzindo as necessidades supérfluas de transportes, fazendo uso do potencial de recursos naturais locais, aproveitando os rejeitos e outras fontes de energia hoje mal aproveitadas,
Um debate constante sobre o assunto inicia-se já neste número, onde algumas das matérias procuram tratar dele, e de suas implicações sobre o uso do espaço e do território.) A intenção destes trabalhos preliminares é colocar em foco e em pauta um assunto no qual os arquitetos designers, e urbanistas poderão oferecer contribuições inestimáveis para a sociedade

Maurício Andrés

LOCAL

Política Cultural – A comissão de cultura que vem se manifestando e reivindicando por uma estratégia cultural para o estado e a municipalidade, acaba de redigir em conjunto )com a coordenadoria de cultura, um roteiro cultural para Minas Gerais. Tal roteiro, que será entregue brevemente ao governador, abrange as áreas de cinema, artes-plásticas, dança, música, teatro e literatura, servindo assim como subsídio base para a implantação de uma política cultural. Em tempo : enquanto em 1978 o estado de São Paulo destinou Cr$380.000,00 à cultura , Rio de Janeiro Cr$250.000,00, Minas Gerais reconhecidamente grande celeiro cultural do Brasil, apenas Cr$80.000,00. A comparação diz tudo.

Paulo Laender

LOCAL   

Buraco Verde – Enquanto isto com a grande campanha desenvolvida pela imprensa e parte da opinião pública em favor da preservação de áreas verdes em novos loteamentos e planejamentos urbanos, á primeira vista parece que os objetivos vão sendo alcançados.
Os menos desavisados, quando vem uma planta de um loteamento ou de alguns pretensos planejamentos, ficam felizes ao lerem “área verde” ou “de lazer”. Mas como diz o Mestre: “ledo engano”. As “áreas verdes” ou “de lazer” não passam, na maioria das vezes de tremendas grotas onde a especulação não vê conveniente em investir. Além do mais, estes buracos são de difícil conservação para o poder municipal tornando-se um local sem atrativos e impossibilidade de utilização a não ser para : vôo livre, pára-quedismo e alpinismo. Com a palavra o Planbel.

Éolo Maia

Explosão Metropolitana – É significativo o fato de que municípios vizinhos a região metropolitana de Belo Horizonte) como Mateus Leme e Igarapé, estejam sendo intensamente loteados, devido em parte ás restrições de parcelamento impostas pela lei de uso do solo na região metropolitana. Estima-se que somente em Igarapé existam mais de 30.000 lotes populares, e tanto este município como Mateus Leme dispõem de terras agrícolas que estão sendo comprometidas. O resultado deste processo pode ser prejudicial para a região de Belo Horizonte, onerando o sistema viário, o sistema de transportes, prejudicando a qualidade de vida da população. Maneiras de corrigir estas distorções existem, e caberia aos planejadores formulá-las e discuti-las.

Mauricio Andrés

Materiais/Equipamentos da Construção – Vão Livre está interessado em publicar matérias divulgativas dos materiais de construção disponíveis no mercado de BH, reunindo-os em grupos que cobririam uma obra de sua locação ao acabamento final. O objetivo é principalmente didático, como apoio aos calouros da Escola de Arquitetura.

E nesse sentido interessa-nos a descrição, dimensões e usos de cada produto, com ilustrações para maior clareza. Empresas interessadas contatar com Ferolla: 226-1525.

Vão Livre
 
 

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