“Minha casa tem goteiram
Do cancioneiro popular
pinga ni mi
pinga ni mim…”
Nessa época de chuva, as cidades enchem, transbordam e as casas gotejam, pingam, escorrem e mofam. Este versinho aí de cima, de péssimo português, ilustra bem o desespero que causam estes transtornos, que são de tal forma incontroláveis que nos tornamos incapazes de reagir, passando a rezar para que a chuva pare.
Logo a chuva, esse bem natural que nos fornece água, que faz crescer nossas matas e nossas lavouras de alimentos! O homem sempre sofreu com o descontrole das águas. A natureza é mera coadjuvante da sua suposta violência e é o homem o principal causador desses seus descontroles, dessas suas reações grandiosas ou de requintada tortura chinesa que são os vazamentos e goteiras de nossas casas.
Mesmo não compreendendo todas as sua reações, o homem há muito tempo vem estudando os humores da água, tentando tirar partido de uma convivência pacífica, da sua energia e da sua beleza. Nada mais fantástico do que a contemplação de um lago tranquilo ou um mar revolto. Ele a represou e dali vem a energia que ilumina e que faz funcionar os robôs de nossas casas; ele a povoou com colônias de peixes e crustáceos, ampliando a oferta de bons alimentos; ela a canalizou, tratando-a com filtros e produtos que permitisse o seu uso doméstico e seu consumo etc. etc. etc., mas continua apanhando da goteira.
Quando se fala de goteira, devemos falar da cobertura, do “telhado”. Este nasceu com a cobertura vegetal ainda hoje utilizada, como o sapé e piaçava, depois foi o telhado de barro que se desenvolveu em diversos tipos de telhas; temos também o de cimento amianto, alumínio, chapas metálicas, lajes inclinadas e planas junto a sofisticados sistemas de impermeabilização: vidros, policarbonato, fibras de vidro, plásticos. E, mesmo assim, lá está a goteira, o vazamento, a água descontrolada infernizando nossas vidas.
Mas é possível se precaver. É possível amenizar estes problemas levando-se em conta algumas questões: de onde vem a chuva normalmente?; e os ventos, são dominantes em que sentido? De posse dessas respostas, somadas ao correto posicionamento da construção em relação, também, ao sol, e poderemos projetar e construir nosso telhado mais próximo da eficiência desejada.
Além disso, a construção de um bom telhado deve considerar várias outras questões. Por exemplo, um telhado de madeira e telhas cerâmicas bastante apropriado e comum no nosso país: sua eficiência está ligada à escolha correta da telha, que deve ser de bom material; dimensionamento das calhas e bicas compatíveis com sua dimensão ou da dimensão a ser coberta; perfeito cálculo da sua inclinação; traspasse bem planejado para evitar o retorno da água causado pela capilaridade ou pelo vento; queima correta do material que junto com a inclinação não permite o que comumente é chamado de “marejamento”, ou seja: a água ultrapassa a camada de cerâmica e “mina” por baixo da telha. A capacidade da bica (que é a telha que fica virada para cima) é também de grande importância e, mal dimensionada, causa o transbordamento, vazando para o interior que deveria estar protegendo. O acerto do madeirame para que não ceda (“sele”) criando as famosas “barrigas”, diminuindo a inclinação naquele pedaço e vazando; o acerto das ripas de forma a prender corretamente as telhas para que não escorreguem, diminuindo o traspasse de preferência amarrá-las a essas ripas.
Aí está um bom telhado, mas ele tem funções outras além de cobrir os cômodos da construção. Os beirais, por exemplo, cumprem um papel muito importante na construção como um todo, protegendo as paredes externas e aberturas janelas e portas; as calhas, recolhendo as águas que descem em velocidade dos planos da cobertura, conduzindo-as aos receptores devidamente colocados que vão transportá-las a locais convenientes, evitando estragar pisos externos, jardins; e, mais ainda, a parte inferior das alvenarias que, desprotegidas, conduzem estes respingos para o interior.
As alvenarias, principais elementos de vedação, devem ser bem desempenadas, rebocadas, seladas e pintadas com tintas de boa qualidades além de receberem manutenção constante. Sábios eram nossos antigos construtores, que elevavam a casa do solo, criavam um barrado de pedra ou similar, evitando que a água subisse pelas paredes e ventilando o piso por baixo, diminuindo as possibilidades de pisos úmidos e mofados. São sobre pilotis (palafitas) as casas dos ribeirinhos da Amazônia.
Pequenos cuidados que com certeza transformarão seu telhado em uma cobertura correta e eficiente. De qualquer forma, se mesmo assim gotejar, façam como um amigo: adotem a goteira.
Neste caso, crie como ele uma trapizonga de tubos de vidro de laboratório de química, por onde a água da goteira caminha por tubos em espiral, buretas e pipetas, balões de ensaio, num trajeto mágico que termina num pequeno jardim de inverno, criado especialmente para a goteira.
Assim, quando chove o que acontece sempre nesta época, em vez de chegar furiosa, a goteira fica constrangida, incomodada por ter que caminhar por trajeto tão caótico, aí interrompe por livre e espontânea vontade essa pinga ni mim tradicional.
A propósito: a trapizonga está à venda. Mágica!