Copo lagoinha

Cada canto um copo

Saí de Anápolis no fim da década de 60, cidade goiana que começava a ficar espremida entre a capital Goiânia e a nova capital federal Brasília, para vir estudar em Belo Horizonte, mais uma capital e, não querendo fazer um trocadilho infame, mesmo assim não evitando, sem nenhum capital. Consegui estudar no famoso e incrível colégio Universitário, já há muito sepultado pela UFMG e, como diziam na época, por sua competência e principalmente pedagogia, ter ultrapassado de longe a da mãe universidade.

Ele se localizava no Campus da Pampulha, um longínquo bairro que para acessá-lo era preciso transpor vazios urbanos e bairros desconhecidos ainda em formação.
Nossas aulas, aos estudantes de fora eram sempre no período da tarde e terminavam bem tarde e nem sempre era possível ter a grana do ônibus. Caronas e longas caminhadas até o centro eram inevitáveis, algo em torno de 6km.
Morava na rua da Bahia com avenida Amazonas, edifício Tapajós. Dois beliches na sala, um quarto com beliche e cama, um quarto com duas camas e uma cama no minúsculo quartinho de empregada era onde dormia a população deste pequeno apartamento.

Nestas vindas do colégio universitário, de carona ou a pé, era quase que impossível não dar uma parada na Lagoinha onde existia uma espécie de mercado coberto com lonas, telhas de metal e amianto, numa louca improvisação e ali, por baixo, tudo acontecia. Exercitei movimentos espelhados das mãos num tipo de carrinhos cujos caminhos eram canais de chapa metálica e, através de manivelas com giros invertidos, com as duas mãos, você tentava conduzi-los sem que encostassem nas bordas pois assim paravam em curto. Existiam algo no Detran para teste desta capacidade. Passei fácil.

Dentre as diversas possibilidades de diversão a mais requisitada era a cerveja e com ela vinham os copos que bem distribuídos serviam 5 pessoas. Eram os conhecidos copos Lagoinha. Só aqui eram Lagoinha, no resto do Brasil, copos americanos.

Lagoinha, provável década de 60. Autor Desconhecido.

O Bairro Lagoinha situado nas bordas da cidade projetada, Junto a “muralha” da Avenida do Contorno, foi formado basicamente por imigrantes italianos além, claro, dos migrantes dos interiores que aqui baixaram para viver, mal ou bem, na nova capital. Ali então moravam operários em casas construídas em torno de uma lagoinha, provável motivo do nome do bairro.
Também por razões outras, acredito, nascia uma favela numa antiga pedreira de onde se extraiu parte do material para as construções da nova cidade. A favela recebeu então o pomposo nome de Favela da Pedreira Prado Lopes, até hoje por lá.

A Rua Itapecerica era o caminho principal antes da Antônio Carlos ser aberta e a Praça Vaz de Melo local da boemia, putaria e samba, o berço do samba de BH e destes redutos e do seu uso quase que unânime, nasce o apelido do copo para: Lagoinha.

Praça Vaz de Melo, década de 60. Autor Desconhecido.


Este preâmbulo é só para localizar o bairro do copo e contar duas histórias. Uma delas saiu publicada na revista Carta Capital, 21 de março de 2018, pagina 62 com o título “Um design de clássica singeleza” na comemoração de 70 anos da sua existência, o copo americano.

Carta Capital, 21 de Março de 2018, página 62.


Ali, o repórter nos alerta do inapropriado do nome pois é genuinamente brasileiro; que além da cerveja é o copo do “pingado”, não quebra fácil, é baratérrimo e poder ser utilizado por qualquer boteco de periferia; custa 1 real; está no MoMA e no seu fundo e por fora estão gravadas as iniciais NF de Nadir Figueiredo, fábrica anteriormente localizada na capital paulista, hoje em Suzano.
A história que eu sabia era outra e errada ou não não pode deixar de ser contada. Uma vez pelo design e amigo Eliseu Resende, precocemente falecido, no número 2 da Revista AP. Diziam outros e também dizia eu, abastecido pelas noites de boemia, que o copo Lagoinha era um outro produto não sei feito onde e que foi modificado, e para pior, quando passou a ser fabricado pela NF. A causa de tal indignação, de longas discussões e provas irrefutáveis era que, no auge da madrugada e ainda em condições de impressionar uma garota ou mesmo um falastrão, era possível e com a habilidade devida e com o raro conhecimento da quantidade de líquido (cerveja) necessário, colocar o copo sobre a mesa ou sobre o bico da garrafa de 600ml, o Lagoinha em um ângulo próximo dos 30 graus. Era o máximo!

A razão, a teoria euforicamente explicada, era de que o Lagoinha tinha a quina inferior chanfrada e o NF arredondada. Simples assim. Das duas uma, ou a NF quando saiu do bairro de Vila Maria e foi para Suzano modificou o projeto para melhorar a fabricação ou coisa assim ou, por outro lado, o Lagoinha é o primo pródigo do copo americano, um erro de fabricação da NF, o filho da boemia belorizontina, dos sambistas e prostitutas da Lagoinha e faz parte do meu universo pois sou um dos que provei várias vezes esta diferença e a foto abaixo, feita para a publicação da AP, comprova nossa tese.

E como toda boa tese pode dar uma boa prosa, esta é das melhores. A Nadir Figueiredo que se apresente hehehehehe.

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1 comentário em “Copo lagoinha

  1. […] do samba local. Na capital mineira, é chamado até hoje de Copo Lagoinha. Rezava uma lenda local, contada pelo arquiteto Sylvio de Podestá, que o Copo Lagoinha é diferente do Americano pois teria sido […]

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