Destrinchando o passado – 1981

Notícias da Veja do fim do ano de 1981, palíndromo de 2018 (8118)

Ano do nascimento do meu filho Pedro Aragão de Podestá

Mino Carta e Roberto Civita fundaram a revista Veja em 1969, já em plena temporada de caça dos milicos de plantão. Depois saiu e foi ser Diretor de Redação da Isto É, isto em 1976, também na muvuca da farra militar. Saiu em 1981 (data desta publicação que comento) e lá mais para frente, já em 1994, lança a Carta Capital que anda por aí até hoje e seu fundador com oitenta e tantos anos continua a nos surpreender. Tudo isto para dizer que a Veja já foi uma revista razoável antes de virar este baluarte da direita oligárquica brasileira junto com TV Globo e afins.

Guardei uma revista destas de retrospectiva de fim de ano, a Veja de 1981, no. 695, Cr$240,00. Logo nas páginas amarelas, a de entrevistas, aparece Dom Luciano M. de Almeida, na época Secretário Geral da CNBB. Ele é apertado pelos repórteres sobre o apoio a certas comunidades de base que apoiam ostensivamente o PT e também sobre a ala da Igreja mais radical, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) o que responde dizendo “que radical não é a ala, mas a gravidade do problema que enfrenta. (…) por isso ela é atacada por defender direitos da pessoa humana violentada por projetos gananciosos”. Continuam: A CPT é um órgão oficial da Igreja? Responde: “Ela procura realizar a doutrina social da Igreja em relação aos problemas da terra”. E vão neste bate boca até que é perguntado sobre o projeto do usucapião e se este vai ajudar os problemas da terra? “… ela abala a estrutura latifundiária quando esta deixa a terra improdutiva. Esta lei terá efeito positivo na medida em que for o primeiro passo para defender a prioridade do trabalho sobre a propriedade, afirmar a função social da propriedade, permitindo que a terra produza e seja de quem nela trabalha. Tudo isso conduz à necessidade de uma justiça agrária mais abrangente, que atenda também aos casos não atendidos pelo usucapião”. Em seguida é perguntado se a lei do usucapião vai melhorar as relações da Igreja com o governo o que é respondido com “o que importa em primeiro lugar, não é a relação entre Igreja e Estado, mas a relação dos dois com o povo”. Lá na frente continua dizendo que “as reformas necessárias preconizadas por João Paulo II não estão se verificando de modo a assegurar, a curto prazo, a ascensão das classes de baixa renda. Penso nos posseiros expulsos das terras por causa de projetos agropecuários, no crescente desemprego e na invasão das áreas indígenas”.

É neste ano que Rondônia vira estado; Millôr ainda tinha sua coluna; João do Pulo bate seu Passat e perde uma perna; taxas de juros subsidiadas para a agricultura (ó ela aí novamente), exportação e energia; do orçamento monetário sairá 700 bilhões de cruzeiros para a área habitacional, subsídios aos preços de alguns alimentos, tapar o rombo da previdência, permitir investimentos das estatais onde não há receitas previstas e atender ao apelo de prefeitos e governadores num ano eleitoral.
Algo parecido com agora? Olhem então estas pérolas: Nesta segunda feira, o presidente (sic) João Figueiredo deve anunciar fórmula para tapar o buraco da Previdência. Entre elas incluem-se a taxação de alguns supérfluos e o aumento da contribuição do empregador de 8% para 10%, de uma só vez, e a do empregado segundo a faixa salarial. Além da possível ressurreição do corte dos 10% acima do INPC nos reajustes dos benefícios pagos aos aposentados.

Policiais ligadas ao jogo do bicho, ex-policial Mariel morto por policiais rivais, tem seu trono ocupado pelo médico Hosmany Ramos, ladrão, traficante e assassino e mesmo assim passou o réveillon em boates da moda no Rio. Nada de novo!

Mas aí veio a pancada, o “Pacote de Novembro” lançado por Figueiredo: vinculação total dos votos nas eleições de 82 e proibido coligações. Ele amarga, pós enfarto, as repercussões das bombas que explodiram no Rio Centro (30 de abril) e a saída do famigerado e perigoso Golbery do Couto e Silva. Para quem não sabe ou não se lembra, este senhor ficou sete anos e meio no Palácio do Planalto e foi o chamado “Grande Satã” da oposição. Saiu e foi consultor do Banco Cidade de São Paulo. Com sua saída entra o professor (sic) Leitão de Abreu, ex-STF e diziam que quem agora quiser conversar com o governo tem que procurar o cara.

Com o “Pacote” o PMDB de Ulisses Guimarães se aproxima do PP de Tancredo Neves. Na oposição e ali não cabem todos oposicionistas, apenas o PT que estava sofrendo com a condenação de Lula a três anos e meio de prisão por incitamento a uma greve ilegal. Outros como PTB e PDT praticamente sumiram com o “Pacote” e suas novas regras.

Em outubro o STF processa o deputado Anísio de Souza (PDS-GO) por tentativa de homicídio e ele reassume rapidamente sua cadeira na Câmara para refugiar-se na imunidade parlamentar. O STF entende que no dia ele exercia funções executivas, mas condena o deputado Genival Tourinho do PP mineiro por acusar generais (sem provas afirmam) por coordenarem ações terroristas. O deputado Gilson de Barros (PMDB-MT) teve proteção de seus pares quando do espancamento do porteiro do seu edifício com um revólver na mão. Distribuiu abraços a colegas e elogios às imunidades. Ufa!

Em fevereiro, retrocedendo um pouco, o Prêmio Nobel da Paz, Adolfo Pérez Esquivel foi detido em São Paulo e aconselhado pela Polícia federal a pregar em outras paragens (a Revista Pampulha publicou uma entrevista com ele) e Joan Baez foi impedida de cantar no Teatro da Universidade Católica de São Paulo. O ladrão Ronald Biggs é resgatado pelo Itamaraty de um sequestro e continuavam presos dois padres franceses acusados de subverter posseiros no Pará.

No mundo, no 13 de dezembro, o Solidariedade de Lech Walesa é esmagado pelos tanques do exército polonês. O general forte do regime, pressionado por Moscou, decreta estado de sítio (tem gente que nunca viu falar disto), prende milhares de pessoas e coloca o Solidariedade fora da lei. Atiram no Reagan, no Papa João Paulo II e no Presidente Amuar Sadat, o único que morre. Os EUA, ainda com Reagan, ajudam El Salvador, há três anos em guerra civil, para conter a expansão soviética e aumentar a pressão sobre Cuba e Nicarágua. Levas de haitianos em busca de uma vida melhor nos EUA morrem nas praias da Flórida. Na Argentina assume Roberto Viola trocado mais a gente e pelos militares pelo Galtieri. Morre Trujilos, ditador do Paraná e apenas um presidente é eleito na América Latina, o de Honduras. Na Europa o monetarismo de Margaret Tharcher desemprega três milhões a ajuda a alimentar os mais selvagens choques de rua da sua história. A recessão e a discriminação racial fazem imigrantes das ex-colônias arrasarem bairros inteiros de cidades inglesas. Pioram as relações com a Irlanda do Norte e o IRA bota para quebrar matando civis e militares ingleses. Charles casa com Diana e a gente sabe como terminou.

Voltando ao Brasil o Rio comemora 10km de linha de Metrô e São Paulo, 23,5. O meio ambiente perde com a barragem de Tucuruí, com corte de angelins-da-mata, centenários, dentre outros 2,8 milhões de árvores, mas ganha com a permanência dos posseiros em Trindade, praia paulista e é o começo da despoluição de Cubatão, uma das cidades mais poluídas do mundo. Chega ao Brasil o Cubo Mágico e o vídeo cassete, um luxo doméstico diziam Simonsen, Rita Lee, Aparício Basílio ao custo de 200 mil cruzeiros. Nelson Piquet ganha o GP de Las Vegas e conquista o Campeonato de F1, Telê ganha o Mundialito de Montevideo e como sabemos perdemos depois a Copa de 82 com um timaço. Kirmayr ganha de McEnroe e no volei ficamos em terceiro lugar atrás da União Soviética e Cuba.

Na economia derrotas. Com inflação perto dos 100% a palavra recessão começa a ser falada. Aumento do desemprego, desaquecimento amplo, geral e irrestrito, como se dizia, aperto ao crédito com taxas de juros a 200% (fichinha perto da de hoje), o setor automobilístico foi o que mais sofreu demitindo milhares de empregados. Um milhão de brasileiros ficaram desempregados e Delfim, em briga com os empresários dizia que eles viviam pendurados nas tetas da nação pois como agora tinham seus créditos subsidiados. No fim de 81 a inflação estava em 96%. O FMI ajudava com empréstimos para pagar dívidas, uma fria homérica. Um saldinho na balança comercial e esta pequena queda na inflação salvaram o governo. A Previdência continuava em “débito” e cada um dizia um valor. Um tal de Ademar Glisi propôs taxar em 20% os supérfluos. Não deu certo, ninguém sabia o que era supérfluo. Ludwig ficou livre da sua mina de bauxita no Para com a venda para a Alcoa/Shell. Tudo a mesma merda.

Em Minas estávamos com Francelino Pereira e Maurício Campos e numa folha de propaganda  paga tínhamos as notícias de um montão de grana do governo federal para projetos diversos como avenidas sanitárias, regularização do Arrudas para evitar enchentes (que até hoje não se resolveu), projeto PACE, POP e PCO, corredor de transporte na Avenida Cristiano Machado, Metrô, complexo turístico do Parque das Mangabeiras, escolas, postos de saúde e projeto FAZ com foto ilustrativa mostrando os dois governantes em plena folia na periferia. Podemos dizer que alguma promessa foi cumprida, outras complicaram mais a cidade e algumas ficaram no papel.
Neste ano de 81, na coluna Memória, tivemos óbitos famosos o tapa-olho e general israelita Moshe Dayan, Glauber Rocha, o anticomunista General Milton Tavares de Souza, o conspirador Oswaldo Cordeiro de Farias, o Brigadeiro Eduardo Gomes que virou nome de doce, Negrão de Lima virou avenida, William Holden, o incrível Mário Pedrosa que ajudou a fundar o PT, MAZZAROPI, Jacques Lacan, Natalie Wood, Joe Louis do boxe e o milico Claudio Coutinho e suas trapalhadas no futebol.

Podemos terminar com coisas boas: a Embrafilme divulga o melhor do cinema brasileiro e lista Eles não usam Black-Tie do Hirszmann, Eu te Amo do Jabor quando ainda falava coisa que presta, Cabaret Mineiro do Carlos Alberto Prates, O Homem que virou Suco do João Batista de Andrade, Estrada da Vida de Nelson Pereira dos Santos, Pixote do Babenco, Eros – O Deus do Amor do Walter Hugo Khouri, Atos de Violência do Escorel, Gaijin – Caminhos da Liberdade da Tizuma Yamazaki e Beijo no Asfalto do Bruno Barreto. Pérolas!
Na música um fértil período que consagra a geração paulista de 80 com Clara Crocodilo de Arrigo Barnabé e Banda Sabor Veneno, Isca de Polícia com Itamar assunção, Grupo Rumo e os consagrados Trem Azul com Elis, Outras Palavras com Caetano, ou seja, ano muito bom. Nas artes os mestres Frans Krajberg e José Resende expõem em outras praças e não em BH como era bem comum na época.

Fecho com algumas frases do ano:

Je m’es vais – Golbery saindo fora da merda que ajudou a criar;
Prestes é o Jânio da esquerda – Lula, sindicalista perseguido;
O braço da justiça dificilmente alcançará o rico – Ibrahim Abi-Ackel jurista cooptado;
Tenho saudades do seu governo – Maluf para Médici, dupla maldita;
Criei um mostro – Golbery sobre o SNI, realmente monstro criando monstro.

Obs: os grifos são meus bem como o desenho do Esquivel.
Palíndromos são palavras, frases, versos ou expressões que podem ser lidas da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda tendo a grafia e sentidos mantidos. Débora Silva

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