ARQUITETOS SYLIO EMRICH DE PODESTÁ E MATEUS MOREIRA PONTES
LOCALIZAÇÃO SÃO PAULO, SP
CONCURSO NACIONAL DE PROJETO PROJETO CÔNEGO VICENTE MIGUEL MARINO
ÁREA TERRENO 9.426,03 m2
ÁREA DE PROJETO 8.541,60 M2 (240 UNIDADES HABITACIONAIS, DEPARTAMENTO DE PATRIMÔNIO DA PREFEITURA E CENTRO DE CAPACITAÇÃO)
Este projeto é um desenvolvimento lógico e aplicado do sistema proposto para o 2º. Prêmio Usiminas Arquitetura em Aço (1º. Prêmio – 1999) no qual repetimos textualmente alguns conceitos adotados, apenas formatando o sistema para esta nova situação proposta pelo concurso, além de algumas modificações de material e montagem propostos pela equipe Usiminas e maior desenvolvimento dos painéis elétricos e hidráulicos projetados pelo engenheiro Absalão de Carvalho.
Inicialmente, uma citação de Le Corbusier que dizia que “a casa deve ser uma máquina de morar com economia e eficiência industriais: é preciso criar o espírito de casas em série; o estado de espírito de construir, residir e conceber casas em série”, cuja defesa deste primado da indústria sobre o artesanato baseava-se em três argumentos principais: barateamento e massificação das construções, qualidade intrinsecamente universal e abstrata e, finalmente, a possibilidade da máquina substituir o homem em algumas horas, reduzindo sua jornada de trabalho nos fazia pensar que não bastava apenas observar este princípio – que contém particularidades que poderíamos adotar como premissas para um projeto industrializado – mas não incorrer novamente no erro de uma arquitetura imposta, facilmente provocada pelo caráter emergencial da falta crônica de moradias, permitindo que o conjunto de indivíduos da comunidade atendida percam seu caráter particular, seus projetos individuais e independentes.
Podemos perceber em Lauro Cavalcanti (Casas para o Povo, Dissertação de Mestrado, 1987) três tendências de como se aborda normalmente a questão habitacional no Brasil e acredito que em vários outros países:
- Corrente idealista, que defende uma postura industrial em relação à moradia. Processos de construção seriada suprindo rapidamente a demanda por casas populares.
Renomeio essa corrente chamando-a de apicultura ou “casas de abelhas a guiza de moradias” o que provoca o aparecimento em nossas cidades dos horripilantes conjuntos habitacionais periféricos, com casinhas de duas águas colocadas lado a lado num interminável e monótono conjunto amorfo.
Acredita-se que a criatividade dos moradores aliada às suas reais necessidades incorporam a esta monotonia outros valores, os reais.
2. Corrente pragmática, defendendo uma intervenção mínima em termos construtivos. Deixa a cargo da própria população o projeto e execução de suas moradas. Atuações em pequenas e médias escalas.
Os famosos mutirões que aparentemente suprem demandas de populações de baixíssima renda. Metodologia emergencial que aproveita do descanso ou desemprego do cidadão e o coloca a trabalhar em causa própria, algo meio paternalista e abusivo. Alternativa que deveria ser substituída pela melhor formação da pessoa, emprego e acesso ao crédito, ou seja, incorporá-lo definitivamente à sociedade que pertence.
3. Corrente tecnicista que busca fundamentalmente racionalizar processos construtivos no sentido de possibilitar maior produção de moradias. Ocupa-se de sistemas construtivos não entrando no mérito de sua organização espacial.
Outra forma preocupante de suprir demandas: números. Se estas são historicamente as formas mais comuns de abastecer as cidades de moradias em escala, sente-se então a necessidade de um estudo sobre o que já foi historicamente conquistado em outros formatos, sobre os engodos e deficiências de planos passados e, frente a estas premissas, estabelecermos o que seria um conceito/conclusão para os dias de hoje.
4. Temos certeza de que resolver a habitação pura e simplesmente é o mais falho dos caminhos e sugerimos, frente a este grande erro, a criação de um sistema completo de produção em escala de componentes de montagem de moradias que atinja diversos segmentos e que, sob o ponto de vista industrial/comercial, possa suprir as necessidades de uma indústria tipo.
Baseamos na real constatação de que equipamentos complementares às moradias como mobiliários e utensílios são adquiridos em prestações, até por quem não tem onde morar, a casa deveria participar deste sistema de acesso (crédito, mesmo subsidiado) e a demanda seria na capacidade (mínima que seja) de endividamento.
Módulo básico
Consiste no módulo básico que, agregado (componentes) ou multiplicado gera os diversos tipos de múltiplos.
- Valores individuais e urbanos, valores simbólicos e funcionais:
“Eliminar a distância entre as imagens mentais dos arquitetos e a vida real de uma sociedade que, na maior parte dos casos, não se conhece quanto a seus sistemas de valores, seus esquemas estéticos, seus códigos de comportamento possibilitando o uso pelos diversos tipos de pessoas, dando-lhes chance de manifestações diversas”.
2. O módulo integrado ao contexto urbano:
O módulo básico é um componente da estrutura macro. Esta estrutura é formada por todos os elementos que circunscrevem a vida social: espaços públicos, promotores de relações sociais; edifícios para a saúde, a cultura, a educação produção, etc. É tão somente uma parte do sistema, e deve se integrar às soluções totais. A implantação conveniente, urbanisticamente correta, deve procurar suprir todos os elementos que verdadeiramente compõem uma vida em sociedade.
O Sistema
Para tanto, a criação de um sistema, que é a combinação de partes que concorrem para um resultado como o proposto, deve ser formado por:
1. Construção: fabricação do produto base (aço); transformação do produto base em manufaturado (estrutura e componentes); componentes acessórios ou agregados que formatam o objeto como um todo e/ou o particulariza (vedações, acabamentos, etc.); centro de montagem dos elementos manufaturados com os elementos acessórios e agregados; transporte de componentes e/ou produtos acabados dos centros de montagens ao sítio; sítio ou local da instalação do produto final do sistema construtivo mais montagem;
2. Venda e instalação de conjuntos;
3. Arquitetura, urbanismo, gerenciamento: firmas terceirizadas para projetos de montagem de conjuntos, fundações e gerenciamento da construção, montagem e urbanização.
A habitação
O sistema proposto procura estabelecer um processo semelhante ao sistema adotado pelas montadoras de veículos automotores.
Há uma estrutura de base – repetível na horizontal e na vertical – que estabelece de forma modular a sustentação da habitação e define o conjunto de componentes de divisões internas e externas.
Características básicas
A criação de um sistema permite que se estabeleça um “padrão” antes da montagem do conjunto horizontal/vertical.
1. Módulos básicos – com 27m², 37m² e 42m².
2. Fechamentos e divisões com qualidade industrial, alta produtividade (cadeia produtiva).
3. Possibilidade de transporte de peças acabadas (módulo básico) para unidades individuais e semi-acabadas no caso de verticalização.
4. Possibilidade de financiamento total da unidade ou por partes, direto com os fornecedores/montadores.
5. Custo controlado da unidade pretendida e garantia da sua qualidade por um longo período, eliminando materiais de qualidade duvidosa e tecnicamente mal produzidos.
Como o MÓDULO BÁSICO é um produto de mercado e não de uma classe específica, ele permite ser industrializado de forma a aproveitar sua base teórica e estrutural (como o chassis do automóvel) para outros equipamentos (mesma família) e suprindo as demandas de apoio, CCR, etc..
6. Fornecedores de subprodutos como caixas d’águas, fossas, coletores solares e células fotoelétricas, centrais de lixo, estações de tratamento de esgoto e água, etc.. Garantindo a qualidade de seus produtos por tempo determinado e compatível. Incorporam-se as qualificações ISO, sejam elas técnicas, ambientais, etc., de forma a permitir cobranças de performances e, se for o caso, serem substituídas, reparadas ou mesmo indenizado.
7. Possibilidade de desmontagem, mesmo vertical, mudança de sítio por necessidade de remoções como desapropriações e outras.
Estrutura, lajes, vedações e acabamentos, estrutura metálica
A estrutura do MÓDULO BÁSICO (pilares e vigas) é formada por perfis metálicos tipo caixa (chapa dobrada) e/ou perfis “I” de aço, soldados, com componentes pré-montados em fábrica ou parafusados (no caso de componentes pré-montados). Esses componentes formam um conjunto tecnologicamente comprovado 16,92 kg/m² e é um paralelepípedo estrutural semelhante a uma vierendeel tridimensional, transportável em partes.
As lajes podem ser mistas, tipo decks metálicos ou os painéis armados de concreto celular autoclavados (CCA). Assentados sobre as vigas, recebem GROUTE(s) de com aço soldado à viga, contrapiso (30mm) com tela eletrosoldada e cinta de concreto de borda. Revestimento cerâmico em toda sua superfície colado com argamassa.
Conclusão
O que pode ser dito é que esta proposta é uma análise de experiências e tentativas (algumas com sucesso) de diversos arquitetos, entidades, governos, etc. e, mais uma vez, como finalidade de locação social, com características e conceito coerente no que diz respeito à aplicabilidade do conhecimento (tanto social quanto tecnológico), da garantia de qualidade final do produto e de uma arquitetura que permita e desfrute de uma vida íntima e socialmente rica, com possibilidade real de convívio além de compatível com as tipologias vizinhas.
Acrescento à conclusão um comentário após o resultado do concurso: diferentemente das propostas vencedoras, espalhamos as moradias por todo terreno de forma a minimizar custos com manutenção de jardins ou áreas de lazer e deixando a administração destas áreas aos “condôminos” ou seus síndicos, eliminando-as da administração pública como se faz em qualquer outro conjunto habitacional em outras faixas econômicas.
O retorno de implantações na forma de grandes pavilhões que liberam áreas térreas formatando praças, a nosso ver desagrega tipologicamente a região e cria grandes áreas de onerosa administração, totalmente contrário ao parecer dos jurados.