1993: Centro Cultural da Romaria

Arquiteto: Sylvio E. de Podestá
Proprietário: Prefeitura Municipal de Congonhas do Campo, MG
Local: Congonhas do Campo, MG
Área Construída: 2.900,00 m2
Área de Ocupação: 8.500,00 m2
Área do Terreno: 53.000,00 m2
Data do Projeto: 1993
Data da Obra (1 Etapa): 1995

Pequeno histórico

O espaço denominado Romaria era uma antiga pousada de romeiros e, servia de abrigo aos milhares de fiéis que iam à cidade de Congonhas participar da centenária festa do Jubileu do Senhor do Bom Jesus que acontece todos os anos de 7 a 14 de setembro.

Sua história se confunde com a do Jubileu. Os festejos do Jubileu começaram por volta de 1770 e vêm até os dias de hoje. Desde o seu início, hospedar os romeiros foi um complicador. Este edifício foi construído para os romeiros mais pobres que não tinham onde se alojar na cidade, de precária estrutura.

Seu projeto original, mais precisamente seu pórtico de entrada, foi inspirado nas antigas capelas dos Passos da Paixão (séc. XVIII) e sua vez “a história ‘oficial’ do Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos do Arraial de Congonhas do Campo, inicia-se com a aprovação eclesiástica, concedida a 21 de junho do mesmo ano (1757) , pelo 1  Bispo de Mariana D. Frei Manuel da Cruz, para ereção de uma ermida no Monte Maranhão, que deveria funcionar provisoriamente até a construção do edifício definitivo, com o fruto das esmolas que o primeiro ermitão e seus sucessores pudessem recolher pelos caminhos das Minas.” (Oliveira, Myriam Andrade Ribeiro de. Aleijadinho: Passos e Profetas, Belo Horizonte: Ed. Itatiaia: São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1984).

Efetivamente, a execução dos conjuntos escultóricos dos Passos e Profetas foi contratada ao Aleijadinho e aos oficiais de seu “atelier” na gestão do quinto ermitão, Vicente de Freire de Andrade (1792/1809), podendo 1796 ser tomado como ano de referência da chegada de Aleijadinho a Congonhas.
Data de 1813/1818 a construção das capelas do Horto e da Prisão e as outras últimas foram construídas na segunda metade do século XIX. Só em 1864 foi retomada a obra interrompida em 1819 e onze anos mais tarde, concluídas.

A construção da Romaria é do início do século, salvo engano e, no começo dos anos 60, a pousada foi desativada e sua área vendida para um grupo empresarial que pretendia construir ali um hotel ou um conjunto habitacional.
Em 1966, o conjunto foi demolido, salvando-se apenas os pórticos de entrada e parte dos alicerces de pedra de uma das antigas alas. Em 1981, estes pórticos foram preservados por ocasião do tombamento pelo Iepha-MG de todo conjunto histórico de Congonhas transformado, em 1985, em Monumento Cultural da Humanidade pela Unesco.

Passado/Presente/Futuro

Infelizmente, no Brasil existe a idéia de que o patrimônio físico como o arquitetônico, é estático, imutável e impenetrável. Temos hoje, inegavelmente, um vasto patrimônio arquitetônico mas amarrado literalmente pelos órgãos públicos ao século XVIII e parte do XIX e, queiram ou não, um patrimônio juvenil perto dos milenares orientais e de anos existentes na Europa e adjacências. Existe o patrimônio, mas quase sempre estático.
Faz-se então necessário pensar o patrimônio brasileiro em três momentos: ontem, com todo o seu acervo e história; hoje, com sua modernidade e pós-modernidade e, amanhã, o do futuro, que vai ser composto pela somatória de todos os momentos já vividos, pelo hoje, o agora, o daqui a pouco e assim por diante.

É assustador pensar que estaremos tombando no século XXI, quando as mediocridades de hoje já forem vovós ou bisavós, um patrimônio, que como todos, oficializará a história do nosso tempo. Nestes nossos conjuntos arquitetônicos, para ficarmos só na arquitetura e urbanismo, sempre existirão falhas que deverão em algum momento serem preenchidas. São como falhas odontológicas que podem recompor uma arcada cheia de histórias ou, redesenhá-la visando uma estética que nega as suas características principais, branqueando os amarelos do tempo. São colocações necessárias e, como tais, polêmicas.

Deve-se compreender que as cidades, todas elas, são organismos vivos e mantêm-se vivos porque vários segmentos funcionam amarrados uns aos outros, confrontando-se, disputando ou harmonizando-se e quaisquer novas manifestações deverão levar em conta os macro e micro contextos que formam estes conglomerados.

É inegável o boom preservacionista que passa por certos locais do Brasil. Salvador, Lençóis, Ouro Preto, Recife, Belém, milhares de lugares resgatando o seu passado, sua memória que, restaurada, revitalizada, passa a conviver, ou melhor, a contrastar com o mais louco e rápido e sacana processo de enfeiamento das cidades brasileiras.

Belo Horizonte há pouco centenária e Brasília nem cinqüentenária têm histórias de montão para contar, neste nosso jovem país de 500 anos (se considerarmos 1500 como a data do seu descobrimento e esquecermos da turma que já aprontava por aqui). Este país que deveria ter sempre coisas para contar sobre hoje, sobre amanhã, sobre o futuro.

Em Congonhas não haveria sentido uma cópia do colonial existente como entorno. Nem seríamos “modernistas” a ponto de esquecermos as referências do passado. Era momento de discutir o momento histórico ou o momento tempo em que estava inserida a obra e antever o futuro.

As cidades precisam e precisarão sempre de cirurgias e implantes. A tentativa de mantê-las intactas e estáticas é fascista e a interferência não criteriosa é assassina, seja ela da idade que for.


A “Romaria”

A finalidade deste texto inicial é discutir o projeto do “futuro” Centro Histórico e Cultural da Romaria, em Congonhas, cuja história abre este texto. Reconstruir este espaço era parte do discurso, da plataforma de governo do então prefeito de Congonhas e, como pudemos confirmar em visitas à cidade desejo de grande parte da população que guardava felizes lembranças deste local e de suas festas.

Sua demolição deixou um vazio no topo da cidade, à direita (de quem olha do outro lado da cidade) do local onde está situado o Santuário, Adro e Capelas, ligado a este por alameda de palmeiras imperiais. Era harmônico e bonito na sua singeleza. Pouco se tinha da sua imagem – muito da história- e, foi através de uma foto, pinturas e relatos que, junto a parte das fundações ainda existentes e marcas da demolição desenhadas nas torres tombadas, se chegou ao desenho final das alas (4) que formam o pátio interno, um ovóide.

As duas torres formadoras do pórtico remanescente, não continham em sua implantação nenhuma forma de alinhamento ou locação de eixos com ortogonalidades aparentemente pressentidas na foto. Seu levantamento final, as marcas das construções demolidas e parte das fundações é que geraram, depois de várias tentativas, o traçado final de locação destas alas, de geometria curiosíssima: o eixo principal não era efetivamente o eixo das torres, se localizava mais próximo da torre 2 e, junto com os desenhos das fundações da ala contígua a esta torre, gerava um centro (C1) a 33m da parte posterior das torres. Deste centro, abria-se um ângulo de 10 21′ 33” até a parede lateral da torre 2 e 19 07′ 33” até a lateral da torre 1. Dali, acertavam seus primeiros passos em leque com ângulos de 7 33′ 07” (torre 2) e 3 22′ 27” (torre 1) para depois caminhar curiosamente em saltos de 9 (ou 4 30’+4 30′ se observamos a colocação das tesouras de estrutura do telhado) até 180, ali somava-se mais um módulo e meio paralelos ao eixo C1/C2, aberturas de 4,88m, dois módulos e meio também paralelos ao eixo e a repetição das partes formadas pelos ângulos de 9 e suas metades.

Não sabemos se foi este o critério utilizado para sua construção. Chegamos a ele, como já dissemos, por tentativas, relacionando os diversos elementos referenciais existentes ou relatados. “A Romaria tinha 80m por 110m”, diziam alguns.

Em uma segunda etapa, junto à Prefeitura, Secretaria de Cultura, de Turismo e outros órgãos e pessoas envolvidas, definimos o programa, a forma de ocupação dos espaços das alas, resumidamente nominados:

Ala 1: Centro de Informações Turísticas e Museu;
Ala 2: Restaurante e Lanchonete;
Ala 3: Posto Médico, Policial, Bancário, Lojas e Centro de Artesanato;
Ala 4: Secretaria da Cultura e Gabinete Vip da Prefeitura.

Além disto, incorporava-se ao programa um anfiteatro, implantado na topografia acidentada e contíguo às alas 3 e 4; um auditório para 250 pessoas, com seus serviços e localizado na continuação do eixo C1/C2, onde antigamente existia um antigo galpão com platibanda curva, percebido sumariamente na foto da época.

Ainda, e de grande importância, pavimentar e dotar o grande pátio interno de possibilidades múltiplas de uso. Possibilitá-lo a receber as diversas atividades ali possíveis, das contemplativas e silenciosas às mais dinâmicas e extrovertidas. Para isto, foram propostos 14 postes, afastados 14 metros das alas e 10 metros entre si, curvos no sentido base centro do pátio, cujo desenho afinava-se da base ao topo e tendo como função principal criar um espaço virtual, quase uma tenda transparente de um circo, reforçada noturnamente pela iluminação existente no seu topo e dirigida para o centro. Além disso, junto a seu pé, iluminação baixa para pedestre e toda uma bateria para infra-estrutura de montagem de palcos, barraquinhas, iluminação para teatro de rua, equipamentos diversos, etc.

É certo o enriquecimento deste espaço interno com a colocação destes postes e, este se dá em dois momentos: o primeiro, enquanto equipamento multifuncional e já descrito e o segundo, e senão o mais importante, a ampliação do significado da reconstrução, agora com novas funções, datando-a com símbolos de sua época, da sua modernidade, do tempo da sua reconstrução, do hoje.

Foi reconstruída sim, mas foi reconstruída em 1995. Resgatou-se parte do passado, mas é necessário incorporar-lhe o hoje para o futuro. Faz parte da função do arquiteto dominar estes aspectos não visíveis, não percebidos de imediato e preencher a obra de significados que virão representar parte da nossa história.
Se concretizada a construção como foi proposta pelo projeto e aprovada pela Prefeitura, Congonhas do Campo, aí sim, com a inauguração do Centro Histórico e Cultural da Romaria terá cumprido sua obrigação social e histórica.

O tombamento (Gisele Vasconcelos)

O arquiteto para idealizar o projeto da atual romaria, valeu-se dos fatos históricos escritos e relatados, das pinturas e fundações ainda existentes e marcas da demolição desenhadas nas torres tombadas, chegou ao desenho final das alas que formam o pátio interno, um ovóide. Como o próprio arquiteto escreveu, “pouco se tinha da sua imagem e muito da história”.

Os pavilhões se fazem em módulos iguais, rítmicos e constantes quase que infinito, se observarmos a construção equidistante dos centros dos semicírculos, com o olhar preso na inércia da elipse que só foge e descansa ao deparar primeiramente os torreões que se fazem em gabarito maior que o dos módulos, para depois se dispersar no topo das palmeiras imperiais adjacentes a este conjunto e nos levar para a alameda de ligação com o Santuário do Bom Jesus de Matosinhos.

O frechal está visualmente exposto, servindo como elemento de peso visual, não deixando o telhado se perder na velocidade da elipse. A fachada externa é marcada pelo ritmo imposto pelos vãos, alinhados na altura das vergas, das aberturas das janelas, que também possuem cercadura em madeira com fechamento em duas folhas de abertura central. A fachada que envolve o pátio interno é composta por módulos rebatidos de uma janela e uma porta cada. Estes vãos, com dimensões iguais e alinhados na altura das vergas, possuem cercaduras de madeira e estão vedados, cada um, por uma folha cega de madeira, pintadas com tinta a óleo na cor azul cobalto. O módulo adjacente é o espelho do primeiro e assim seguem os demais, nesse mesmo ritmo, destacado no contraste entre o branco da pintura das paredes (cheios) e a cor escura dos vãos (vazios).

Nota: A estagnação prolongada, por mais de um século, a falta de uso dos espaços e das edificações, a ausência de vida urbana, a fruição temporária na época do jubileu, do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, transformaram a cidade em cenário das romarias, um cenário que se deteriora a cada ano. Grande parte da cidade tornou-se vulnerável à deterioração do tempo e, mais recentemente às transformações apoiadas na ausência de referência histórica que se fazem visíveis nas construções irregulares e sem comprometimento estético com o conjunto da cidade de Congonhas, ferindo seu gabarito, atropelando a dinâmica do comércio e do turismo, também visível no cotidiano e no abandono dos casarios. Transformações fundadas na negação do passado em troca da renovação dos espaços urbanos como símbolo do progresso.

Com este cenário, a edificação do projeto do Centro Histórico Cultural ergue-se como um marco em busca dos valores históricos artísticos e paisagísticos integrantes e inerentes ao majestoso acervo da Cidade de Congonhas, cidade que foi berço e palco para grandes nomes da nossa história como o mestre “Aleijadinho”.

Para reiterar este valor e preservá-lo para a posteridade, o monumento “ROMARIAS” foi inscrito no livro do tombo, por iniciativa do Prefeito Gualter Monteiro, que para tal contratou a arquiteta Gisele Vasconcelos e a equipe técnica do Departamento de Cultura da Prefeitura Municipal de Congonhas no levantamento destas informações, feitas, numa primeira fase, em bibliografia de caráter geral. Na segunda fase, foi analisada bibliografia de caráter específico sobre a Romaria de Congonhas do Campo, concluindo-se pelo tombamento.

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