1994: Projeto Trincheira

Arquiteto: Sylvio E. de Podestá
Realização: Associação de Idéias
Ano: 1994

Proposta para a Mostra Objeto Urbano
Museu de Arte de Belo Horizonte, Pampulha

O Projeto Trincheira parte de uma premissa: Minas Gerais (ou o Brasil) não possui tradição em projetos de pontes, viadutos, etc. Estes elementos são quase sempre soluções de tráfego, projetos de engenharia, como os chamados “trincheiras”, que resolvem a questão dos cruzamentos, mas trazem consigo problemas sérios, como a deterioração das áreas adjacentes, complicação no trajeto de pedestres, ou seja, resolvem problemas imediatos de circulação mas causam transtornos individuais e coletivos. Micros e macros.

A idéia do projeto é rever esta situação, incorporar a estas intervenções outras atividades programáticas – contemplativas, de lazer, de circulação, visuais e de sinalização – de forma, a resultarem em benefícios micros e macros.

Como toda proposta, sua viabilidade depende da intenção real dos órgãos executores e do custo final. Mas porque ampliar o custo de um serviço só para responder a questões aparentemente abstratas?

1. Não devemos ignorar o fato de que as cidades não suportam soluções imediatistas. Grandes intervenções têm seus custos diluídos por gerações e que delas usufruem. O imediatismo das soluções ou a adoção de soluções parciais só transfere para as próximas gerações problemas infinitamente mais complexos, intervindo de forma cruel nas melhorias que elas próprias estarão procurando. Não legar ao futuro um patrimônio rico é, no mínimo, ampliar a mediocridade das nossas realizações.

2. Por não termos tradição em dar a estas intervenções também caráter lúdico e/ou que permita também manifestações outras que não sejam a imediata matemática da engenharia, as ditas “obras de arte” do jargão técnico não nos reportam a exemplos antigos e não deveriam ter lugar em nossas cidades. O Projeto Trincheira, além de alertar para o fato, que é real, ilustra sua proposta tomando como exemplo duas “trincheiras” já construídas: Avenida do Contorno/BR-040/Rua Rio Grande do Norte e Avenida do Contorno/Avenida Raja Gabaglia/Avenida Álvares Cabral. Sugere formas de custear estas intervenções e propõe que os novos projetos – alguns já prontos e na gaveta dos responsáveis – devem ser revistos e incorporar elementos de interesse das comunidades vizinhas e de toda a cidade.

3. Sobre o custo, tomaremos como exemplo a trincheira da Contorno/BR-040/Rua Rio Grande do Norte. O encontro destas três vias forma quatro esquinas, sendo que em uma se localiza posto de gasolina; outras duas, terreno semi-ocupado e na última, um pequeno e mal cuidado edifício de dois andares. Duas formas de ocupação de espaços se fazem necessário: o uso do espaço aéreo e o das áreas adjacentes. Como?

3.1. Troca sistemática das áreas térreas em questão pela possibilidade de venda de coeficientes de aproveitamento para outras áreas contidas e legisladas pela lei de uso do solo de Belo Horizonte – forma correta e clara de desapropriação sem desembolso ou perda financeira de terceiros.

3.2. Nova orientação quanto às áreas adjacentes, dando a seus proprietários facilidades e incentivando sua ocupação, com funções e coeficientes redefinidos e estimulados.

3.3. Tratamento das novas áreas abertas através de convênios similares aos existentes hoje para praças e jardins.

3.4. Remodelação das áreas publicas deterioradas através de novos traçados, equipamentos urbanos, sinalizações, etc.

3.5. Priorizar o pedestre que, hoje, não tem como circular por estes traçados conflitantes. Priorizar também áreas de estacionamentos e bulevares, valorizar o comércio local que, mesmo induzido pelas melhorias, necessita de estímulo.

4. Elementos e programas:

4.1. Através da utilização de elementos já conhecidos e absorvidos pela população – arcos, caminhos, jardins, lagos, placas, relógios, etc. – dar espaços a novos designs, personalizando os locais. Ampliar o programa com centros de informações, exposições, locais para manifestações em escala micro e também macro.

4.2. Criar novas referências urbanas, novos espaços abertos em ambiente urbano saturado, revitalização do entorno numa visão prospectiva e que virá subsidiar novas intervenções. Utilizar dos espaços abertos e fechados com ocupações complementares às atividades necessárias à região como garagens verticais, praças e equipamentos, mini-shoppings, cinemas/teatros, bares/restaurantes, mirantes, etc.

Enfim, o Projeto Trincheira procura desenvolver junto aos governantes, técnicos e profissionais e também junto à comunidade a idéia de que a discussão sobre a cidade – de equipamentos a traçados, dos cheios e vazios, do circular, do contemplar, do viver – passa pela revisão dos conceitos hoje falidos, valorizando o que é comum, coletivo, privado, social, revitalizável, patrimônio. Sugere que reler a cidade e gerar a cidade do futuro são atividades multidisciplinares onde, custos e benefícios ou custo/benefício não são simples equações econômicas.

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