Local: Setor Marista, Goiânia, GO.
Projeto: 1979
Construção: 1980
Área terreno: 575,50m2
Área: 240,00m2
Ricardo e Sheila, respectivamente cunhado e irmã, são os proprietários desta casa. Ricardo, engenheiro civil amigo de farras belorizontinas, grande fã de Johnn Wayne antes das fofocas sobre sua real opção amorosa foi seu primoroso construtor. Construiu-a para morar e para provar à sua mulher que seu irmão não era lá essas coisas como arquiteto. Para confirmar tal afirmação, construiu a casa seguindo à risca o projeto e seus detalhes. Caso inédito e, para conforto do arquiteto e do proprietário, deu tudo certo.
Prevendo este embate arquiteto/engenheiro, o projeto foi cuidadosamente apresentado em desenhos, maquete e um memorial descritivo de todas as fases do projeto, forma de abordagem, soluções, lay-out etc. para que nada ficasse para trás. Transcrevo a seguir o memorial, fielmente, e os croquis que o acompanharam.
Anteprojeto residência Ricardo, Sheila & Carolina & Rodolfo (Ricardo Jorge ainda não havia nascido)
Para começar, acredito que uma casa deve ser concebida de dentro pra fora, e seu exterior a consequência direta do funcionamento e aberturas internas (quem diria!). Mas quando se parte para a setorização e divisões, já se deve ter levado em conta que o exterior poderá ser assim ou assado. É rígido até o momento da setorização e início das divisões internas e, a partir daí, começa-se a jogar um com o outro, arruma-se dentro, arruma-se fora… etc.
Quando se projeta para lotes urbanos, parâmetros básicos já devem ser considerados: insolação, tamanho do terreno, vento, chuva e em casos especiais, a vista. Aqui, o lote já nos leva, grosseiramente, a uma setorização imediata: quartos para o nascente, serviço sacrificado no poente ótimo para o varal e parte social no ‘intermezzo’.
Quanto à implantação no terreno, primeiramente optou-se por uma situação ortogonal as ruas, mas, por ser um terreno de esquina e por causa da legislação, exigia-se uma quebra no retângulo do lote (no caso de 7m e a 45o) que interferiria na estética final externa da rua na construção. A impressão que se tinha é que aquilo ali era um ‘quisto’: uma casa regular em um terreno regular com uma ponta roubada.
A solução adotada, por sinal simples, foi incorporar o chanfrado à própria concepção do muro. Criou-se um outro chanfrado para fazer frente ao da Prefeitura e, com isso, a casa passa a exigir nova locação: no novo chanfrado localizam-se as entradas de serviço, social e garagem. Neste giro da casa surgem três jardins distintos íntimo para os quartos, social e de serviço para horta e varais.
Para o íntimo, pensou-se em colocar os quartos em linha e, em frente, uma bateria de serviços com rouparia e banheiro. Como o casal exigiu vestir, optou-se pelo deslocamento dos mesmos para um bloco só quarto/IS/vestir. Para eliminar a circulação corredor, abriram-se suas extremidades e seu meio com portas envidraçadas.
A rouparia é parte do acesso à parte íntima. O bloco íntimo fica então com quatro saídas: para o jardim íntimo, para o jardim social, para a garagem, e finalmente a que o liga ao bloco social. Essa ligação íntima com a garagem possibilita a chegada diretamente para o aconchego da caminha. O abrigo (garagem) foi colocado em posição estratégica para possibilitar o acesso descrito acima e, também, a entrada para o social.
Projetado para dois carros e opção para barco içado no teto. Ligado diretamente à rua e como parte do corpo da casa, libera área para jardim.
O estar, como consequência natural, está entre o íntimo, o abrigo, o serviço e o jardim social. Foi aberto para o interior, para o avarandado e jardim. Optou-se por esta solução por ser o terreno todo murado por exigência da segurança e por ser o terreno plano e a casa, teoricamente, de nível.
A vista para a cidade foi desconsiderada para o caso do estar e levada em conta apenas para o escritório, que é a única área elevada da casa.
A refeições é aberta para o estar e separada visualmente por diferença de piso e pela escada circular que leva ao escritório. Acrescentando o bloco de serviços, a casa teoricamente deveria estar projetada.
Partiu-se então para a cobertura. A primeira hipótese foi que o telhado de barro seria a melhor opção. Seria por ser esteticamente aprovado, possibilita um bom condicionamento térmico e é razoavelmente fácil de construir.
Sendo estes três itens razões básicas para se adotar um telhado, procurou-se, com as mesmas características, uma solução fácil, esteticamente igual ou melhor, e que possibilitasse o mesmo condicionamento térmico.
A solução adotada é ‘sui generis’ e só parecida com algumas casas coloniais antigas ou uma ou outra atual.
Para o escritório, adotou-se meia pirâmide para o telhado, só que nada de madeira e telha, mas laje de concreto. Manteve-se a inclinação para melhor eficiência da impermeabilização, isolada térmicamente com forro de madeira com vazio preenchido com isopor. A janela é superior ao resto da cobertura da casa e virada para a vista.
Para a parte social e íntima, adotou-se a telha de amianto tipo Kanaleta fazendo colchão de ar com a laje; criou-se outro colchão de ar permanentemente ventilado, separado do resto do cômodo por forro de madeira, com réguas separadas entre si em 1cm e fechado para o exterior por veneziana metálica.
Acreditamos que a solução é tecnicamente boa e que vai possibilitar ao exterior da casa uma aparência simples, sem necessidade de se adaptar a um estilo específico e, com a vantagem de não sair ‘da moda’, justamente por não ser ‘da moda’.
Análise dos espaços
Quarto de casal – Como os outros, foi dimensionado em função dos equipamentos mínimos e localizado, em relação ao resto da construção, em local calmo e de fácil acesso. O vestir e IS casal, dimensionados com a mesma filosofia, criam com o quarto o apartamento do casal.
Quartos – Os demais, para uma ou duas camas, são de tamanho médio e estão localizados em posição de fácil acesso ao banho comum, formando um bloco rebatido em relação ao casal.
Banheiro principal – Com equipamentos básicos: vaso e bidê, bancada com pia e box/banheira. A banheira é isolada do resto por porta de vidro temperado.
Rouparia – O hall, passagem dos quartos para o estar, foi transformado em rouparia, com a colocação de dois armários do piso ao teto.
Estar – É resultado dos móveis que o casal já possui, acrescentados de uma grande estante onde se distribui o som, livros, TV, papéis em geral, potes, bibelôs etc.
Jantar/varanda – 50cm abaixo, o jantar, no mesmo nível da varanda, é um espaço só, dividido em aberto e fechado. Esse piso mais baixo deu condições de criar um mezanino/escritório com acesso por escada circular.
Cozinha – Pequena e funcional com copa e despensa.
Lavanderia – Tanque, máquina de lavar, mesa de passar fechada com tela e ao lado de um lindo varal de fio inox.
Churrasqueira – Além de ser local para o churrasco, tem tanque para cerveja e banco; ela é complementar à área de lazer social que se estende à frente da varanda.
Hall de entrada – Criado para haver interferência direta com o corpo social da casa. Pouco democrático, mas funcional.
Os demais compartimentos são comuns, exceto a garagem, que deverá ter dispositivo para elevar o barco de pesca do aristocrata para não estragar sua futura Mercedes.
Gostaria que olhassem o anteprojeto com carinho e mais, não pensando só como vocês gostariam, mas também considerando a casa com todos os seus valores, que acredito, tem. É uma boa casa, tenho certeza, mas estou aqui para qualquer modificação, por mais drástica que seja. (Anteprojeto.)
Introvertida e fechada para o exterior, sua locação em relação ao lote permite dividir a utilização do terreno em áreas íntimas, sociais e de serviço de forma tão definitiva quanto o partido adotado e, ao mesmo tempo, circulações em todos os sentidos aproximam estes espaços, quando conveniente. Pintada de cores fortes, goiaba, azul e amarelo ouro, as alvenarias valorizam o trabalho de marcenaria das portas, janelas, tetos e pisos, particularizando a residência no contexto social do bairro, onde uma arquitetura eclética tenta criar aparências de status social.
Considerações finais: foi necessário aumentar o quarto dos meninos; para isso, incorporou-se o espaço existente entre os dois blocos íntimos; no banheiro social nunca se instalou a banheira; a churrasqueira passou longo tempo funcionando como vaso de flores; o mezanino funcionava como quarto alternativo de hóspedes; a cozinha se adaptou às novas tecnologias como o microondas e não foi necessário içar o barco, que encontrou outras moradas. Adorava essa casa e seus moradores, incluindo o chato daquele poodle que sumiu.
No fim de 1998, foi consumida por um incêndio, provavelmente crítico de arquitetura.