Local: Recanto da Serra, Brumadinho, MG.
Projeto: 1982
Área terreno: 2.000,00m2
Área: 140,00m2
A mata foi loteada e, em dois mil metros quadrados, projetada a residência. O local apresentava uma densidade de árvores de pequeno e médio portes de 1 exemplar/2,5m2.
Um eixo imaginário, divisão dos dois lotes que compõem o terreno, nos leva a uma grande gameleira localizada no final do terreno. Sobre ele, uma passarela coloca o observador ao nível da copa das árvores, levando-o à casa, ao quiosque e à grande árvore. Mesclaram-se cúpulas e abóbadas de tijolo com telhado de telhas de barro.
Eliminou-se da obra o concreto feito no lugar, utilizando de lajes pré-fabricadas, permitindo um controle maior sobre a qualidade final da obra, localizada que está em local afastado.
O texto acima (publicado inicialmente no “3 Arquitetos”, Vol. I) simplifica em demasia as questões que envolveram este projeto e as relações com seu futuro morador, como podemos perceber através de uma carta onde ele se manifesta de forma concisa e poética:
“Finalmente arrumei coragem para tentar tirar de dentro (da cabeça, eu acho) as idéias da casa onde gostaria de morar por algum tempo. Neste instante estou assistindo televisão, mas não é exatamente o que preferia fazer, talvez isto seja um ponto de partida para tentar imaginar o que uma casa onde cada tijolo tenha sido colocado com amor e com o esforço de amigos e meu próprio, me proporcionaria nesta hora.
Flores para cuidar, um visual que entrasse pelas janelas, qualquer coisa assim que lembrasse a todo momento que existe vida e que ela própria criasse as forças de movimento harmônico e integrador. E depois, que houvesse um lugar para meditar sobre a beleza do todo em paz.
Gostaria de falar de cores e formas, mas não me é muito fácil. Eu curto as cores mas não faço muito pra que elas me cerquem. Se acontecessem ao redor seria bom, se trouxesse um ritmo quente melhor ainda. É bom esquecer que tudo quase sempre é morto (e frio).
Mais uma vez vou lembrar que quero uma casa viva. Viva porque ajudamos o seu nascimento, por que as suas cores e formas não nos permita esquecer de que ela necessita de nós para sobreviver. Porque a noite nos aquece e nos faz sentir seguros, certos de que na manhã seguinte seremos acordados por ele, pelo sol, pássaros e cheiro forte do mato que a cerca e pertence ao conjunto.
Um canto bom para sentir o calor d’água pelo menos aos sábados e que pareça com uma cachoeira. Não faço questão de que seja exclusivo, afinal todos os convidados deverão se sentir tocados pelos mesmos bons fluídos que espero, sejam em profusão.
Acho comer um barato divino, embora você discorde por não partilhar dos hábitos carnívoros, mas acredito que a paz durante os repastos não deva ser perturbada pela chegada dos que se apressaram e, quanto aos que chegaram famintos, que haja mais um lugar pois dividir a comida sempre me foi gratificante mesmo com a inflação que nos atormenta.
Para que cada refeição seja um acontecimento bom é preciso que exista um espaço limpo, claro e espaçoso para que aqueles que são artistas, muitas vezes anônimos, possam exercer com tranquilidade as suas artes culinárias e que seus produtos alquimistas possam estar guardados nas condições normais de temperatura e pressão.
E depois, um recanto para saborear as rubiáceas ou um Ban Chá, no meu caso. Este local teria música ou mesmo novela das oito mas que seja em último caso quando não houver mais histórias de pessoas vivas ou mesmo uma obra literária imortal, ou uma vista para um pedaço de sol que esqueceu de ir embora ou das estrelas que começam a chegar. No frio, se pudéssemos domesticar o fogo no interior, seria bom, mesmo que fosse num saudoso fogão a lenha que nos faria sentir um pouco como o homem primitivo que ainda tinha o coração quente.
Quando o sono viesse e que nem todos os visitantes tivessem que experimentar os meus amores heterossexuais e com forte inspiração careta, amante do tête-a-tête. Para estes relegados por força maior, que houvesse um canto próprio, ou se o número fosse elevado que alguns pudessem continuar dormindo perto de onde estivessem. Válido também para aqueles que o álcool tivesse adormecido.
Para o meu canto de dormir e estar só algumas vezes, que permitisse lembrar de forma real a beleza que existe ao redor, nem mais nem menos.
Medir em metros tanta beleza e felicidade imaginada é difícil senão impossível, portanto é preferível deixar uma porta aberta para crescer. Quem sabe até mesmo para futuros diabinhos, que possam ter a autonomia essencial à vida que se começa, com oportunidade de ir e vir, aprender jogar uma sinuca ou um futebol de botão. Mas que isto seja num futuro, não sei se próximo ou distante.
Não gostaria de ver a empregada dormindo de pé como as árvores, portanto arrume um cantinho pra ela com água e tudo que alguém precise para uma vida saudável. E coitado do carro e quem sabe da moto, da bicicleta, que não precisem tomar muita chuva e que possam ser reparados quando isto se fizer necessário. No quarto de ferramentas poderíamos guardar o equipamento de jardinagem.
Ver uma chuva cair no telhado de verdade faz a gente acreditar no carpinteiro que fez o travamento. E quem sabe este carpinteiro possa também mostrar um pouco da sua arte em outros ponto, talvez nos levando um pouco acima das árvores para que possamos ver o que acontece no vale através de vidraças ou uma varanda mesmo pequena mas o suficiente para que o sol chegue puro e forte e bata numa rede estendida.
Não queria lembrar do Delfim ou do Andreazza durante a construção da casa e nem depois de quando lá estiver morando.
Para transar este lance só quero depender do Francelino, embora não muito. Também não é sonho o que quero, mas com o trabalho próprio e o de alguns amigos do coração, e de poucos novos amigos profissionais, levar à frente o empreendimento. Portanto, nada estratosférico, mas coisas simples embelezadas pela graça de quem fez.
Não importa que isto leve tempo, pelo contrário, o tempo será quem realmente enraizará e solidificará os sedimentos que começam a ser despertados dentro de mim. Sempre haverá e isto é bom, alguma coisa a ser feita, por exemplo, uma churrasqueira para o amigo ir de vez quando demonstrar o que pode ser feito com o conhecimento, brasas e uma boa carne.
Portanto amigo, solte sua imaginação que sei ser forte e harmônica, voltada para a simplicidade de se viver bem perto daqueles que nos são queridos. Abraço do Rubens.”
Uma das razões de construir essa residência era complementar um processo individual de aprendizado, envolvendo contato com a natureza, meditação e contemplação, alimentação natural, dentre outras coisas. Além disto, era intenção a auto-construção, dar condições para que a casa fosse construída sem nenhum esquema mais complicado de engenharia; e que fosse fabricada com peças possíveis de serem manipuladas por no máximo duas pessoas: quando lajes, vãos até quatro metros; telhados com terças capazes de vencer vãos sem necessidades de tesouras e quase que a totalidade da construção em tijolos, trabalhados em largas paredes, cúpula para o quiosque e abóbadas para os maciços laterais. Vãos e vergas em arcos plenos de alvenaria de tijolos, escadas maciças também de tijolos e pisos em ladrilhos hidráulicos.
Em diversos níveis, a casa se desenvolvia acompanhando os patamares de uma escada localizada em uma empena lateral, uma escada que terminava num mirante para meditação e contemplação, voltado para o poente quase sempre avermelhado. Os níveis se distribuíam, então, desde o serviço / cozinha / estar / varanda / circulação sobre a passarela, ao quarto de hóspedes, passarela e quiosque, quartos e finalmente o mirante.
Na rua ficava o carro, em respeito às árvores que seriam obrigadas a se retirarem e, da rua, se avistava apenas um pórtico colorido, como naquelas casas chinesas, promovendo a passagem do público para o privado e, como aqueles, também desejando proteção e felicidade.
Mas o futuro proprietário, em um gesto de sabedoria e amor, casou com sua linda e simpática esposa, subiu a Rio/Bahia e foi morar em Montes Claros, terra dos Darcy, Guedes e das melhores cachaças e carne de sol do Brasil.