Casa Atelier para Le Corbusier

 

Uma casa atelier para
Le corbusier na América do Sul

Arquitetos: Sylvio E. de Podestá,
Éolo Maia e Jô Vasconcellos
Local: Pampulha, Belo Horizonte, MG
Projeto: 1987
Comprimento total do edifício: 575,00 m
Altura média: 40,00 m
Área: 43.125,00 m2

 

Um sonho de Le Corbusier ter uma casa-atelier na América do Sul é transformado em proposta pela revista ARS, do Chile: depois de mais de 50 anos da primeira viagem de LC a essas terras, a publicação retomou o desejo como motivo para comemorar, criativa e arquitetonicamente, o centenário de nascimento do arquiteto. O projeto permitiu que homenagem, crítica e também fantasia fossem possíveis: um sonho real, nas páginas da revista (uma co-irmã mais velhinha da América que Corbusier apenas conheceu, mas com quem manteve uma relação de ajuda recíproca).

A iniciativa dos editores da ARS, em colaboração com Armando Oyaraún, contou com a participação de vários arquitetos da América, Europa e Ásia; foi realizada uma exposição e alguns projetos selecionados publicados em número duplo da revista (8/9), em comemoração ao centenário de LC.
Da seleção destacaram-se os arquitetos Franco Purini (Itália), 3 Arquitetos (equipe formada por Éolo Maia, Sylvio E. de Podestá e Jô Vasconcellos), Bielus/Goldemberg/Wainstein-Krazuk (Argentina), Fernando Montes (França), Edson Mafuz (Brasil), Fuksas Sacconi/Vivaldi (Itália), pela ordem.

O texto acima foi parcialmente extraído do jornal “3 Arquitetos” (maio/junho 1988, Ano I, no. 0); achei importante sua republicação, no espaço devido e com a valorização dos desenhos e textos muito ricos e cheios de referências, depois de mais de 60 anos da primeira viagem de LC à América.

Como a abordagem era a mais livre possível, fizemos referências à nossa formação profissional, pois quando estudantes e jovens arquitetos (décadas de 60 e 70) considerávamos Le Corbusier como um dos grandes mestres da arquitetura mundial. No entanto, não poupávamos críticas por um lado à sua forma imperialista de impor projetos em países de terceiro mundo, com propostas megalômanas (na verdade, soluções só possíveis em regiões com pouca conscientização sobre a sua história, grandes áreas disponíveis; ver Brasília ou mesmo Chandigardh, na Índia); por outro, aos arquitetos deslumbrados com a picardia do Mestre.
O projeto deveria ser entregue em uma só prancha, mas pela quantidade de informação que tínhamos para fornecer, o espaço era insuficiente. Utilizamos então de um artifício semelhante ao que foi usado pela equipe da Biblioteca Alexandrina (Carlos Antônio Leite Brandão, José Eduardo Ferolla, Fernando Ramos e equipe; 3o. Lugar). Aqui, outro parêntese: quando fui organizar a parte gráfica do concurso de Alexandria, eu sabia que o projeto, em cópias pretas, deveria ser embalado num tubo de 9cm de diâmetro, com o comprimento 9 vezes maior que este diâmetro (coisas da UIA). As cópias da Biblioteca, em papel fotográfico, eram muito grossas e não cabiam dentro do tubo. Para resolver, enrolamos por fora… e a equipe tirou terceiro lugar (bem que poderia ser o segundo) com certeza não por causa da embalagem.

Aproveitamos aqui a idéia central do artifício, só que optamos por fazer uma caixa, como um pequeno armário (executada pelo exímio Aristides Lourenço, maquetista de mão cheia); isso foi feito de tal forma que uma parte da informação ficou registrada na parte externa da embalagem e outra no seu interior.
A matéria publicada no “3 Arquitetos” dizia: “É uma caixa de recordações transposta para colagens atemporais, antropofágicas e justaposições imaginárias de alguns princípios da doutrina de LC, sob a forma de uma casa-atelier.

O local escolhido para a casa seria a Pampulha, em Belo Horizonte, onde um dos seus seguidores mais brilhantes Oscar Niemeyer criou obras pioneiras dessa arquitetura preconizadora dos novos tempos.
A casa-atelier é inicialmente megalômana uma das características das propostas urbanas de Corbusier para os países do terceiro mundo e, nela, situações imaginárias se realizam.

A porta da capela de Ronchamp, com interferência no belo painel de LC, é onde começa a viagem. Ali Corbusier, estrela como Marilyn Monroe, observa.
Com a abertura literal do portal de entrada, transportamo-nos aos princípios do projeto da casa-atelier, como se nos apossássemos furtivamente de momentos de reflexão registrados nas páginas de seus cadernos de anotações de viagens. No último desenho, as anotações são dispensáveis. Retornamos ao real. O Mestre permanece a trabalhar, transmitindo à humanidade suas propostas e visões polêmicas, na ânsia de criação de um mundo mais poético e igualitário..
Na parte inferior da caixa, guardada a sete chaves, sua esposa, o Modulor e seus óculos, agora com olhos móveis que acompanham o público visitante, como que perguntando: ‘E a arquitetura, vai bem sem Le Corbusier?’”

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NOTAS

1. Observar ilustrações 01, 02, 03, 04 e 05, publicadas no livro de P. M. Bardi, “Lembranças de Le Corbusier” (Nobel, 1984).
II. 01- Estudo de Le Corbusier para plano urbanístico de São Paulo (1929).
II. 02 – Estudo para auto-estradas (1929). Publicado na revista “Mirante das Artes” (no. 1, 1967), com a seguinte legenda: “Quando os países ‘desenvolvidos’ ainda sorriam de Le Corbusier, um país ‘subdesenvolvido’, o Brasil, o convidou, e desse convite nasceu a nova arquitetura da América do Sul”.
II. 03 – Baia de Guanabara (1929), com o projeto da grande auto-estrada entre as montanhas.
II. 04 – Estudo para plano urbanístico do Rio de Janeiro (1929).
II. 05 – Plano piloto do Rio de Janeiro (1936).
2. Seus cadernos de viagens são famosos, com anotações em todas direções, muitos desenhos e não só de arquitetura, mas de viagens, de mulheres – rostos, dorsos, belas morenas etc. Junto aos desenhos remetidos para a ARS, foram feitas anotações como se fossem suas, como se fossem de seus cadernos de viagens, que são textos explicativos ou legendas destes desenhos.
3. As idéias modernistas, embasadas numa parceria com a indústria e a tecnologia e, em tese, disposta a trabalhar na melhoria da qualidade de vida do homem, também faziam parte e muito do universo “poético e igualitário” de Corbusier.
4. Modulor: “Módulo ou sistema de medidas preconizado por Le Corbusier para disciplinar entre outros o projeto arquitetônico, consiste na combinação da altura do homem com seu braço levantado com a seção áurea, do que resulta uma gama de medidas para atribuir dimensões mais favoráveis na construção.” (“Dicionário da Arquitetura Brasileira”, Corona & Lemos, Artshow Books, 1989.)
5. Dos seus famosos óculos, com certeza havia mais de um, ou vários, mas só foram resgatados apenas alguns exemplares. Um faz parte do acervo de Carlos Antônio Leite Brandão, que pode ser visto com o objeto quando não está “com o vidro nos olhos”; outro foi descoberto em matéria publicada pelo “Estado de Minas” (Caderno “Espetáculo”, p. 5, 7 de junho de 1997), fazendo parte da fachada da teórica de dança Helena Katz; mais outro nos olhos do jornalista Martinas Suzuki; e outro num caso mais sério de herança facial não sai da cara do Philip Johnson, ou não sai da cara do Corbusier que está em Philip Johnson, ou quem morreu foi o Philip Johnson e Corbusier, como Elvis, não morreu. (Ver ilustrações 06, 07 e 08.)
6. A caixa de recordações, parte inferior do painel, continha uma carta de LC para sua mulher (ele viajava, dizem as más línguas, mais com Josephine Baker do que com a patroa); um cartão postal de Ronchamp remetido pelo arquiteto Vitorio Caldoncelli, francês de Rio Pomba, MG; um retrato da patroa, um estudo para o Modulor e uma cópia dos seus óculos com olhos em 3D de uma face de Cristo que acompanha quem a olha, criando um efeito tipo “estou sempre atento”.

 

Avec la bienveillance de la princesse E. de Polignac – de l’armée du salut à Paris – nous pourrons construire une grande nursery pour les jeunes apprentis étrangers comme Niemeyer, Costa, Reidy, Testa, Botta, Duhart, Mayekava, Tange, Salmona et d’autres. Seulement je n’admets pas de contestataires logés ici.

 

1.Desenho de Éolo Maia. Observar os detalhes como janelas de Ronchamp, grandes panos de vidro e paisagem ao fundo, balões indicando o nome dos aprendizes e, no lençol do Salmona, a marca do Exército da Salvação.

 

Voici le sol artificiel. La ville jardim en hauteur. Tout est adapté. La vue, l’espace, le sol, la communication instantanné, verticale et horizontale, dominant le sublime paysage. J’espère que les signataires de la future lettre d’Athenes adoptent cette brillante proposition.

2.Desenho de Sylvio de Podestá. A grande auto-estrada de acesso ao atelier sobre pilotis – nível intermediário, como no projeto Pedregulho de Reidy – reforça o discurso da paisagem, insere desenhos de Corbusier (avião, mão com figura e automóveis de época completamente defasados em relação à arquitetura proposta, como acontecia realmente), personagens de Stirling, Venturi etc.

 

Avec me principes du plan libre je destinerai un coin de l’atelier aux apprentis dissidents pour qu’ils y constuisent quelques experiences isolées.

 

3.Desenho de Sylvio de Podestá. Corbusier apresentou numa exposição do Museu de Arte de Nova Iorque, sob o tema “Cidade do Futuro” (1936), um edifício de 14 andares com 22 km de comprimento, “A Cidade Jardim Vertical: Habitações Unifamiliares” ocupando terrenos artificiais. Numa referência a este projeto e a outros semelhantes, seus aprendizes fizeram experiências isoladas, podendo ser observados na ilustração projetos de Éolo Maia, Salmona, Jô Vasconcellos, Sylvio de Podestá, Rob Krier, Venturi, Mario Botta etc.

 


A salle de culture phisique dans la terrasse jardim servira d’exemple aux générations des temps modernes. Bonheur de l’espirit et du cultre du corps. Je vois déjá le jeune apprenti brésilien, Oscar Niemeyer, en train de lancer des dards contre les positions post-modernistes de ce fragile disciple de Mies – le petit Philip.

 

4.Desenho de Éolo Maia. Colagem de cartum de Sylvio de Podestá ironizando um bate boca entre Niemeyer e Philip Johnson, sobre o pós-modernismo no qual Niemeyer, recusando aceitar os argumentos de PJ, não acerta os dardos no seu AT&T Chipandale. Ao lado, sua revista Módulo e frutas tropicais. Ao fundo, o perfeito Modulor mantém suas formas e proporções, “malhando” em aparelho de ginástica, sob o teto semi-abobadado do projeto do Mestre.

 

M. Kalf, un des directeurs de Philips, má déjà assuré le montage du poéme electronique – ou de la salle de jeux eletroniques pour apprentis. J’ai encore quelques difficultés avec les autorités brésiliennes. Dans ce pays le jeu est encore interdit.
Je pourrai transformer cet espace en une sinthese de couleur, d’image, de musique, de mots de rythme. Le premier salon de samba.

 

6. Desenho de Éolo Maia. Neste projeto, antes inacabado acho que posteriormente concluído, aproveitando as estruturas de andaimes e sugerindo que ali aconteça o primeiro salão do samba, Éolo acrescenta uma super mulata brasileira, bem ao gosto do Mestre, junto a um câmera de TV e um dos personagens de quadros pintados por Cobusier (que são também as figuras grotescas que pulam loucamente pelo salão). Observar sobre o aparelho de TV ao fundo o desenho de um detalhe do monumento a Vaillant Couturier (1937/38) concebido por ele. Acima, perspectiva e planta do projeto.

 

Grâce à la dette externe de l’Amerique Latine, je n’obtiendrai peutêtre pas de ressources pour construire tous les plans prévus. J’ai dessiné une petit cabane de troncs d’arbres et couverte de fibre ciment. Cela servira de point de départ à l’ouvrage. Pour cause de voyage à Santiago, j’ai chargé le jeune apprenti Michael – dont je n’aime pas beacoup les postures trop figuratives – de dessiner la base et les pilotis de la cabane. Je n’ose imaginer le résultat.

 

7. Desenho de Sylvio de Podestá. Perspectiva da grande estrutura da casa-atelier, vista da extremidade oposta, no meio da Lagoa da Pampulha; à esquerda, o poente do sol “O desastre contemporâneo…” com o Museu da Pampulha à frente; parte da fachada lateral com o pilotis; projetos dos seus aprendizes; torres como as da Unidade de Marselha no teto; na extremidade, o resultado do projeto depois que Michael Graves o terminou, com detalhes do Humanas e outros, tão comuns em sua arquitetura. No topo, na cabaninha de trocos, Le Corbusier solitariamente pescando tilápias na lagoa: ali ele começa a sofrer com os problemas destes seus megalômanos projetos: até perceber a fisgada do peixe, ou ele já fugiu ou já foi devorado por outro maior, ou ainda, se é necessário recolher, ou o que pescou ou mesmo trocar a isca, levará dias nessa tarefa.
La salutaire lecture est reconfortée par la présence constante et controlée du soleil à travers de grands vides offerts par le plan libre. Mais parfois cet enfant me gêne avec ses plaisanteries si littérales à propos de mon oeuvre. Je ne la supporte que parce qu’elle est la fille d’une grande admiratrice de New York, Mlle. Meier.
Richard, va jouer dans la salle de jeux eletroniques!

 

8. Desenho de Éolo Maia. Sobre colagem de foto de Corbusier, em leitura banhada pelo sol, ao qual deu o título “O desastre contemporâneo ou a liberdade total do espaço?”, com sua luz atravessando os grandes panos de vidro. Seus pés descansam sobre seu protótipo de estrutura de planta livre e, ao lado, Richard Meier, quando bebê, brinca com seu balãozinho representado por um de seus projetos brancos e super corbusianos: o Atheneum, em Indiana.
Plantas gerais, desenhos de Jô Vasconcellos, com pilotis, nível inferior (enfermaria, quarto da Josephine Baker, projetos dos aprendizes), intermediário 1 (estrada sobre pilotis, estacionamentos e retorno), intermediário 2 (atelier propriamente dito, com seu extenso programa) e terraço jardim (Salão do Samba, jogos eletrônicos, cultura física, piscina, torres e a cabana de férias) .

 

 

 

8. Desenho de Éolo Maia. Pensativo, Corbusier faz mais uma de suas anotações. Ao lado, o projeto da Casa Errazúriz que fez no Chile na década de 30. O quadro é uma das suas pinturas e o Modulor agora está dentro de um computador, junto e uma máquina Hitachi. É nessa solidão, e trabalhando como sempre, que está parte da nossa homenagem, transportando-o para os dias de hoje.

 

 

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